TÃO PERTO E TÃO LONGE
Oicram Somar
 
 

Vagava há milhões de anos, há milhões. Se perdera em suas contas desde que começara a contar. Construiu mil coisas, tantas que já não se lembrava de todas. E pensava. Nomeou tudo, nada ficava sem nome, nem o desconhecido. Percorria longas distâncias, até que as distâncias foram vencidas, e outras, conquistadas. Aprendeu a voar, a nadar, a se embrenhar dentro da terra. Consumia de tudo, nada lhe era estranho: vaca, jaca, gato, capim, cidreira, tartaruga, peixe espada e mil outras coisas inventadas. Sua inventividade não tinha limites e assim foi transformando tudo à sua volta: derrubou árvores e construiu casas, cavou a terra e forjou o ferro, subiu as montanhas e descobriu que lá não moravam os deuses, uniu as margens dos rios, navegou por todo o planeta e não caiu no abismo, explorou cavernas e florestas, amassou o barro e empilhou os tijolos, quebrou pedras e esculpiu seus heróis, se cobriu de peles, penas e tecidos, explorou o corpo e se superou, riscou as paredes e decodificou a fala, se espantou com o que era e com o que podia ser, mas jamais entendeu o que É. Tudo o que fazia: seus atos, seus pensamentos, suas palavras eram a busca angustiante de sua própria Natureza. Ele não sabia que ele era a própria Natureza. Assim, iludido com suas invencionices, com o ego enaltecido, viveu eternamente como a um estrangeiro de si mesmo, a procura do outro, que nunca o completou.