CORAÇÃO ESTRANGEIRO
Leila de Barros
 
 

Tenho pernoitado em lugares exóticos, desconhecidos, onde as escadarias são novas e as trilhas igualmente incógnitas, embora seja sempre bem recebida, mesmo não tendo passaporte.

Nesses locais as pessoas me percebem como uma forasteira, pelo meu jeito de olhar, de me vestir, meus hábitos, meu idioma e minhas mochilas sempre andarilhas.

Aprendi a entendê-los, assim como eles me aceitaram também. Não fazemos mais perguntas descabidas, não pesquisamos o passado e procuramos não investigar o futuro.

Geralmente, nos sentamos à mesa e fazemos nossas refeições em harmonia, haja vista que somos igualmente passageiros, mesmo nos sentindo confortavelmente instalados.

De madrugada compartilhamos nossos sonhos e mesmo dormindo, sentamos nos telhados alheios e conversamos sobre a leitura do dia.

Isso nos distrai e alimenta para a caminhada diurna, como São Tiago de Compostela.

Tenho sido um pouco resguardada nessas excursões, não por reconhecer nessa característica algum talento ou alegria, mas apenas por querer conservar pelo menos um pouco da pedra original que ainda carrego.

Ainda é cedo para usar cajados...

Meu balé mantém-se guardado nas sombras noturnas das paredes e meu livro de preces carrego sempre comigo, como um ungüento poderoso.

Recito poesias nos corredores das casas em que visito, como que para imantar de luz meus rastros estrangeiros.

Não entendo muita coisa do que essas pessoas falam, não consigo entender seus gestos bruscos e às vezes uma mímica suave como um bailado.

Tenho viajado muito em trilhos de metrô e de trem e sempre me surpreendo com as pastagens, capturando imagens com a lente da alma.

Em muitas dessas situações encanto-me com as ilusões das pessoas e com a capacidade inventiva das crianças que encontro.

Sinto pela falta de toques, de desejos explícitos, tudo segue como num script pronto e previsível.

Procuro calmamente nas alamedas e mesas de calçada um olhar conhecido, um idioma que eu saiba falar, um abraço esquecido na gaveta.

Porém, sou apenas uma estrangeira.

Pelo menos, carrego comigo um talismã poderoso, possuo enfim um alento que me serve como uma bússola, o fato de ser estrangeira apenas fora de mim...