EXÍLIO
Kátia Rodrigues
 
 

Vestiu-se sem acender a luz.

Acostumara-se a esse gesto, impensadamente, e em silêncio às vezes percebia-se preparando uma refeição no breu, ao olhar a chama do fogão, ou mesmo sentir a vista ofuscada pela claridade ao abrir a geladeira.
Andava pé ante pé, como a preparar-se para o grande dia.
Quando falava, o fazia pausadamente, ouvindo com atenção, pensando no que podia ser dito.
O sono ultimamente demorava a vir e, cada vez mais, imaginava-se longe.
Ao acordar olhava em volta e descobria que nada ainda acontecera.
Resignava-se em esperar a hora certa. Acendia velas, rezava terços, fazia promessas quase impossíveis de realizar, mas qualquer sacrifício valia a pena.
Precisava partir.
Sentiu calor, frio, medo.
Finalmente o dia aconteceu: teve receio de iludir-se.
Desconfiou que algo pudesse dar errado.
Ficou atenta e tomou as providências necessárias.
Abriu portas, gavetas. Embalou livros, papéis.
Eram caixas e caixas, todas importantes, cada qual com um pedaço de sua vida.
Mas nada era tão essencial quanto essa volta.
Tudo foi levado no dia anterior; passou ali aquela que seria a última noite.

Abaixou-se e, abrindo a bolsa, pegou os óculos escuros.
Colocou-os quando já estava calçada.
Abriu a porta desceu as escadas contando os degraus. Ao sair do prédio, seguiu até a esquina sem olhar pra trás. Apanhou um táxi e finalmente começou o caminho de volta para casa.