PUNHADO DE LÁGRIMAS
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães
 
 

quando os milicos concederam a anistia - adeus fria helsinki, adeus loiríssima helka - decidiu que era hora de voltar para casa, para os seus; só que... não havia mais casa nem os seus eram mais seus - sua mulher, por exemplo, antigo objeto do seu desejo, era agora propriedade de outro; os filhos, esses, pertencem ao mundo.

no aeroporto não o esperavam. nem mesmo aqueles antigos fiéis companheiros de causa e luta que haviam sobrevivido aos porões da ditadura.

nos anos de clandestinidade, as trocas constantes de identidade e disfarce, as falsificações de documentos, serviram pra nada... pra quê se agora andava exposto como um alvo móvel e ninguém apontava para ele nem mesmo uma mísera câmara fotográfica? esquecido. dera os melhores anos de sua vida pelo partido, pela pátria, pela causa... nunca pedira que o esquecessem como aquele último general do governo militar que adorava o cheiro dos cavalos. a história que ajudara a escrever estava no mínimo sendo cruel com ele. a posteridade sequer atestava os seus feitos. era como se jamais houvesse existido. nos arquivos reabertos da antiga policia política, agora expostos à visitação pública, nada constava ao seu respeito. a clandestinidade o tornara invisível, inexistente. agora era só um velho alquebrado, um estrangeiro em sua própria terra. só. e chorava copiosamente como não o fazia desde aquela memorável passeata em são paulo em 196... quando o gás lacrimogêneo das bombas atiradas pela tropa de choque arrancou dos seus olhos então visionários um punhado de lagrimas.