ESTRANGEIRO
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Aline
Carvalho
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Se eu acreditasse em espiritismo, reencarnação, essas coisas, teria uma explicação razoável para o fato de ser absolutamente fascinada por tudo aquilo que é estrangeiro. Quem sabe por onde eu teria andado em vidas anteriores, quem sabe mesmo se não fui uma judia em campo de concentração como disseram, contra a minha vontade, em uma festa de aniversário... Só sei que, desde que me entendo por gente, sempre fui atraída por pessoas, idiomas, lugares estrangeiros. Lembro-me de fantasiar, freqüentemente, a respeito de minha vida em outros países... Sonho impossível da criança e da jovem que fui, por motivos estritamente financeiros. As pessoas mais, digamos, vividas, provavelmente se lembrarão de restrições econômicas às viagens ao exterior, principalmente na década de 70. Quem quisesse sair do país, além de todos os custos da viagem, deveria arcar com uma taxa que, se não me engano, era bem pesadinha para a época. O que tornava meus sonhos cada vez mais distantes. Meu consolo era estudar línguas: inglês, claro, oportunidade que pais com visão bem adiante de seu tempo me proporcionaram. Depois italiano, francês e espanhol. A ponto de até confundir uns com os outros. Obviamente, após dominar, com alguma confiança, a minha própria língua, como se depreende do fato de eu estar aqui escrevendo este texto na maior desfaçatez (abro parênteses para a defesa aberta de nossa flor do Lácio, bela, porém não tão inculta: Português não é difícil. Caso o fosse, seria hilário precisarmos todos de tradutores até mesmo para comprar pão na esquina. O que acontece é que quem não raciocina bem, não o faz em qualquer língua. Mas é mais fácil culpar o pobre... fecho parênteses). Voltando à minha obsessão: viajar para o exterior. Consegui fazê-lo pela primeira vez depois de casada e com filhos: uma ida aos Estados Unidos da América. Lembro-me bem de quanto curti a preparação para a viagem, que seria em dezembro, com direito a Disney (que, naquela época pré-histórica, tinha um parque só, imaginem...), Nova York e neve. Fiz tudo ouvindo a trilha sonora do musical Annie (em fita cassete). Até hoje não posso escutar aquelas músicas sem sentir no estômago a antecipação gostosa pela aventura que viria. Se houve algum senão, foi o fato de eu ter medo de morrer antes de concretizar meu desejo. Recordo-me de, no avião, prestes a aterrissar em Miami, pensar: Pronto! Agora só não chego se esta m... cair antes! Não caiu, como prova novamente o fato de eu estar aqui, na maior pretensão, escrevendo. Preciso agora contar um segredo: o avião não caiu porque eu o segurei o tempo inteiro apertando com força os braços da poltrona, como faço sempre e até hoje. Não dá para relaxar, se não já se sabe... Isso me fez passar o tempo todo da viagem acordada, prestando atenção aos barulhos sinistros, às luzes que se apagam e acendem e, em especial, à cara dos comissários de bordo. Sempre digo o seguinte: por mais que aconteçam coisas suspeitas, se os comissários continuam andando pelos corredores e servindo, pode ficar tranqüilo. Ao contrário, se eles se sentarem naqueles banquinhos que lhes são destinados e afivelarem em si mesmos o cinto de segurança... bem, aí, até quem não acredita pode começar a dar uma rezadinha... A noite mal dormida fez com que minhas primeiras horas em Miami fossem de sono, no hotel. Posso dizer que uma das melhores sensações que tive em minha vida foi acordar, totalmente esquecida de onde estava, olhar aquelas cortinas estampadas, o carpete estampado, a colcha estampada, o papel de parede estampado e me dar conta de que sim! Eu estava lá...!
E aquela viagem foi tudo o que eu havia imaginado e mais. Percorrendo
de carro e trem de Miami até Nova York, tive oportunidade de
ver, provar, sentir coisas só acessíveis a quem, como
diria minha avó, vai ao estrangeiro. Vivi situações
incríveis que, certamente, renderão outras histórias.
Como se repete também a vontade de que, aqui, nossos problemas e medos possam diminuir, para que os cidadãos desta terra não se sintam estrangeiros em seu próprio país. |