A FLOR E O ESPINHO
Marcelo D'Ávila
 
 

Cravo era sobrenome. Roberto da Silva Cravo. Quando a turma ficou sabendo, o Betão virou Cravo. O apelido trocado pelo sobrenome. Sempre tinha um engraçadinho, aí, Betão, é uma no cravo e outra na ferradura, hein? e a alcunha foi pegando. Cravo.
O Cravo, atrás de uma muralha de garrafas de cerveja, cantava Nelson Cavaquinho
Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
E espinho não machuca a flor

com voz de tenor. Os convivas aplaudiam, faziam coro e mandavam o garçom baixar mais uma. O Cravo inflava o peito e mandava
Eu só errei quando juntei minha alma à tua
O sol não pode viver perto da lua.

E a lua ia embora, se escondendo. E, como o sol não pode viver perto dela, mostrava a cara quando o Cravo voltava pro barraco, tropeçando nas próprias pernas.

Rosinha já tinha dado o ultimato. Os amigos de bebedeira ou ela. Os amigos ganhavam sempre. E ela, vencida, ia ficando. Tratava da bebedeira de seu homem com carinho e coca cola. Perdoava. Ele jurava amor eterno. Pegava a viola e soltava o vozeirão num pedido de
Volta,
vem viver outra vez a meu lado
Não consigo dormir sem teu braço
pois meu corpo está acostumado

e ela tinha vontade de responder
Nunca,
nem que o mundo caia sobre mim

mas sempre voltava atrás. Até a manhã seguinte, quando ele chegava em casa caindo pelas tabelas. Aí ela prometia ir embora. Chorava. E ele pegava na viola.

O Cravo chegou no barraco e não encontrou Rosinha. O sol já se espreguiçava lá em cima, sacudindo o sono dos olhos. A casa da mãe. Só podia estar lá. Em todas as discussões, Rosinha ameaçava ir pra casa da mãe. Saiu batendo a porta e cantarolando com a voz embriagada que
Um homem de moral
não fica no chão.

Entrou chutando porta e tudo na casa da sogra. Rosinha tentou argumentar. Fugiu pro quintal. Nada adiantou. O Cravo, enlouquecido, puxou-a pelos braços. Dois safanões, uns quatro ou cinco tabefes e o serviço estava feito. A volta por cima.
Rosinha caiu de bruços, sangrando a face e a alma.

Despetalada.

Ela nunca havia imaginado que espinho pudesse machucar a flor.