FESTA DE CRIANÇA
Luís Augusto Marcelino
 
 

Tudo começa com a mãe. Ela diz que é só um bolinho, coisa simples, que é pra menina não ficar traumatizada. Só um bolinho? - pergunta o pai. É. E uns docinhos. E uns salgados, porque ninguém é de ferro. Ele concorda. Em questão de dias se arrepende ao consultar os saques nos extratos. Mas não era só um bolo e coisa e tal? Chamei minha irmã de Marília e, sabe como é a prole dela... Ela argumenta que Camila acabou convidando as coleguinhas da escola. E aí ela se viu obrigada a chamar os vizinhos também, porque senão ficaria chato. Ele faz cara feia, mas fica quieto por alguns minutos. Então vou chamar os caras do futebol, porque se eles ficarem sabendo... Ela diz que tudo bem, mas aí vão ter que gastar com cerveja. Com cerveja, tudo bem - ele responde.

A festa fica marcada para as quatro da tarde do domingo, mas a maioria dos convidados chega por volta das sete. A molecada brinca de pega-pega no corredor. Um esfola o ombro na parede, comprimido pelas crianças mais velhas. Começa a berrar, mas os outros ficam gritando em coro "viadinho, viadinho". Ele pára de chorar e manda todos pra lá mesmo, você sabe. A mãe do garoto esmagado chega soltando fumaça pelas ventas, agarra o menino pelo braço com força, chama pelos dois nomes "Victor Augusto, já não falei pra não brincar com esses favelados?!!.." A tia de um dos favelados escuta, se ofende, solta uma resposta qualquer e avisa a dona da casa que, pobre coitada, não sabe onde foi parar o katchup que tinha comprado no dia anterior.

Os homens bebem. E comentam a guerra com o conhecimento de causa de um Paulo Henrique Amorim. Depois um puxa assunto sobre futebol, afirmando que a Seleção não vai passar da primeira fase da próxima Copa. O vizinho acha aquele comentário um absurdo, e diz em voz alta que o cara não entende nada de bola. "O que faz da vida, ô meu querido?" O grupo se divide entre os que acham que o Brasil vai ser campeão e os que têm certeza que, por causa da crise Argentina, haverá um novo complô para fazer com que o caneco vá parar em Buenos Aires. E continuam bebendo.

Faltando dez minutos para cortar o bolo a mãe se lembra que não comprou filme para a máquina fotográfica. O marido bebe. E fica puto porque tem que sair às pressas para encontrar o maldito filme. Vai num lugar e nada. Em outro tinha acabado. Depois de rodar dez minutos descobre uma banca de jornal que vende a preciosidade. Tudo isso? - pergunta ao jornaleiro. Entra triunfante pelo portão da frente e entrega o filme para a mulher. Volta a beber. Ela sai espumando da cozinha, chama o marido e devolve o filme com violência na mão dele. Este não serve na nossa máquina!...

"Parabéns pra você; nesta data querida..." Cortam o bolo. O primeiro pedaço vai pra mamãe, o segundo pro papai. A tia da aniversariante vira a cara para a mãe da menina, porque ela esqueceu de chamá-la para tirar foto com a garota. Também, pudera. Ela só pensa na família dela, foi sempre assim - comenta a tia traída com uma amiga comum. As crianças mexem nos brigadeiros antes da hora, e a vovó pega um dos moleques pelo braço e pede, "delicadamente", para ele tirar o dedinho dos doces. Vovó tira quase um quarto do bolo para levar pro seu véio, que não pôde ir porque está de cama, e que adora bolo de aniversário. Tem uns cajuzinhos aí? - pergunta para a nora. O pai da menina comenta com o chefe que o vovô detesta doce. E que não veio porque estão brigados e que deve estar na casa dele se remoendo, porque ele é louco pela Camilinha. Distribuem-se as bexigas, as línguas-de-sogra, as balas, as lembrancinhas do aniversário. As mulheres vão para o quarto para ver os presentes. Camila dorme, tadinha. Elas ficam conversando até altas horas e as crianças se amontoam no quarto da aniversariante para detonar os brinquedos.

Os homens bebem.