TULE COR DE VIOLETA
Leila de Barros
 
 

Mariane costumava refletir na delicadeza e ao mesmo tempo na complexidade das relações humanas sempre que estava finalizando peças de costura para suas clientes.

Em seu atelier, que em grande parte de seu tempo sempre foi também o seu universo, ela refletia e meditava, entre um zigue-zague e outro da máquina de costura.

Naquele dia, tinha em mãos uma peça de tule lilás, que serviria para enfeitar um vestido de noiva que não seria tradicionalmente branco, para variar.

Rememorava o chá de cozinha do tal enlace.

Começou a lembrar dos enfeites que havia na sala do evento, todos feitos com preservativos novos, recém assoprados como balões coloridos e transparentes.

Recordou-se também dos risinhos, comentários, os jogos de palavras maliciosos, das prendas que a futura noiva precisava pagar quando errava os presentes que apalpava e da fisionomia daquelas mulheres.

Nessa hora de abrir os presentes do chá de cozinha, algumas mulheres casadas demonstravam ardentemente seus desejos contidos, outras se calavam guardando pudores que provavelmente levam para seus leitos conjugais. Outras ainda impunham castigos leves à futura noiva, falavam meias-obscenidades e mencionavam palavras que podiam ser associadas ao órgão genital masculino, objeto de desejo, de curiosidade ou de banalização e indiferença para algumas delas, que já trocaram as carícias conjugais por chocolate ou televisão.

Todo aquele contexto e ritual feminino parecia tão distante e estranho para ela.

Ela se perguntava se realmente pertencia ao universo feminino, ao gênero feminino ao planeta Vênus.

Sim, ela gostava de homens, eles a atraíam. Tudo normal então, ela pensava.

Ela corta um pedaço do tule cor de violeta bem clara e separa.

Mariane largara seu emprego de executiva em uma empresa de auditoria para dedicar-se ao que fazia com prazer e primazia: confecção de roupas para festas.

Ela costurava para as pessoas simples, cobrando pouco e criava e produzia trajes de alta costura para as mulheres de classe média e alta.

Seu contato diário com as mais diferenciadas classes de mulheres lhe permitia essas reflexões e análises que ela mesma denominava de sessões de terapia com luneta, sempre à distância.

Já estava acostumada a ouvir as confidências das mulheres casadas que suspiravam por um companheiro mais sensível, ou mais mão aberta, ou mais atencioso, ou mais apaixonado ou mais amante, ou...

Ouvia também as queixas das solteiras que comentavam sobre a falta de homens que desejam se comprometer, dos encontros frustrantes, das noites de sexo sem o dia seguinte, da falta de companhia masculina para conversas mais profundas.

E ela ia costurando o tule cor de lilás, com os fitilhos entrelaçados...

Mais uma noiva, mais um casamento típico, sogras, sogros, criançada correndo e algumas grávidas demonstrando que o show precisa continuar.

Mariane começa a pregar os botões de seda cor de violeta no vestido forrado com o tule.

Ela olha para os sapatos forrados de cetim no mesmo tom do vestido, salto agulha.

Vai até a sacada, olha para baixo pensando no atraso do seu pontual vizinho violinista.

Pronto! O violinista chegara!

Mariane olha enternecida para ele e ele lhe acena sorridente e entusiasmado.

Ela custa a acreditar que daqui a uma semana estará se casando com ele e vivenciando todos esses rituais de casamento que ela mesma sempre considerara como efêmeros e sem sentido.

Mariane espeta o dedo na agulha e deixa cair o tule cor de violeta no chão...