"SANTO" PECADOR
José Luís Nóbrega
 
 

O marido acende a luz do quarto, e para sua surpresa, a mulher com o amante, pega ali, com a mão na massa, ou com a boca na botija como ainda se usava dizer naquele tempo.

- Amanda?! – berrou o marido para a mulher, que meio sem saber o que fazer, puxou o lençol cobrindo-se até a cabeça, como que se estivesse nua na presença de um estranho que acabara de adentrar o quarto.

Alguns instantes de silêncio, até que o esposo se dá conta de quem está na cama com sua mulher:

- Hã? É o senhor mesmo ou eu estou sonhando?

- Sou eu, meu filho! – balbucia o amante, puxando o lençol até o pescoço.

- Não me chame de “meu filho”! Não sou seu filho! E eu que sempre acreditei no senhor. Eu que pedia conselhos ao senhor. O senhor que me fazia penitenciar por pecados que eu nem sei se cometi. Para o senhor, eu é quem era o pecador...

- Meu filho, eu posso expli...

- Já disse, não sou seu filho! Pelo jeito o senhor sim, é quem quer ter um filho! Mas vá concebê-lo longe daqui, seu crápula, seu lobo vestido de cordeiro!

A mulher abaixa o lençol na altura dos olhos. Vê o marido completamente transtornado. O dedo apontando para o amante. Pressentindo uma desgraça maior, tenta em vão amenizar aquela situação “inamenizável”:

- Cornélio, fui eu quem insisti com ele! Ele resistiu à tentação até quando pôde, mas...

- Resistiu à tentação? Resistiu tanto que está aqui, na minha cama, com a minha mulher!

- A carne é fraca, meu filho, agora eu sei disso.

- Ah, a carne é fraca? Quando eu lhe confessava uma atraçãozinha por outra mulher, lembra o que o senhor me dizia, lembra? “Isso é pecado, meu filho, fique longe das tentações.” Eu o pecador, o senhor o santo conselheiro!

- Ninguém nesse mundo é santo, meu filho! Ninguém!

O marido sai do quarto, indo em direção à sala. A mulher desaba em prantos na cama. O amante se levanta, veste sua indumentária negra, coloca debaixo do braço o enorme livro que deixara no criado-mudo, e sai...

Passa pela sala sem olhar para o homem que acabara de trair. O outro, sentado no sofá, o adverte:

- Vá para casa e fique tranqüilo. Ninguém saberá dessa história.

- Obrigado, meu filho!

O traidor já estava quase ganhando a liberdade, com a mão na maçaneta da porta da sala, quando o marido traído ainda lhe faz um último pedido:

- Ah, padre, não se esqueça de dar uma passadinha agora pela sua igreja. Uns duzentos pais-nossos e umas duzentas ave-marias devem ser suficientes...