Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só tempo de tirar uma caixa de sapatos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação.

Dentro havia fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estragado deles, caprichada no começo, ia piorando à medida que se viravam as páginas, até ficar no fim quase ilegível, algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas folhas virgens.

Naquela caixa talvez eu conseguisse entender um pouco sobre minha origem. Sabia que tinha sido adotado pela família Lourenzo quando tinha alguns meses de vida e junto a meu corpo pequenino havia essa caixa.

Fui criado com muito amor pelos meus pais adotivos, que nunca me esconderam sobre a verdade, pelo menos a verdade de ter sido adotado, mas sobre a caixa nada sabia até o dia que meu pai adotivo faleceu num trágico acidente de carro.

Vovô Bépe, meu grande companheiro e amigo, se sentiu na obrigação de me contar sobre a existência dessa caixa, pois apesar de ter sido criado com amor, sentia desde a mais tenra idade que precisava saber das minhas origens, por que minha mãe verdadeira tinha me abandonado a própria sorte, quem era meu pai. Chega uma hora na vida que precisamos de respostas e elas vieram junto com essa caixa.

Mamãe que estava presente nesse momento, olhou-me nos olhos como que suplicando para não deixá-la de amar, que a perdoasse por ter escondido a minha origem, talvez por medo, mas o que ela não sabia era que por mais que soubesse da existência de outra mãe, que eu soubesse do meu passado, ela seria sempre minha mãe, pois foi ela que me alimentou, cuido de mim, protegendo-me dos perigos da vida.

Pedi ao vovô e mamãe que saíssem um instante, pois precisaria estar sozinho nesse momento de descobertas, queria evitar que eles vissem um homem frágil diante da verdade, tão desprotegido quanto era no dia que fui colocado a porta de meus pais adotivos.

Peguei as fotografias já amareladas e reconheci os meus traços no rosto de uma mulher desconhecida, ao lado dela uma menina de cabelos pretos, sorriso largo, olhos que pareciam duas jabuticabas, na outra foto essa mesma mulher segurando um bebê que envolto em um cobertor parecia dormir despreocupado da vida. Parei um momento diante daquelas fotos e queria decifrar a mensagem que elas trariam. Seria eu aquele bebê? Não podia saber, nada havia escrito atrás das fotos, nenhuma pista.

Peguei um broche, que parecia ser de ouro e pude ver que era o mesmo que a mulher da foto trazia em suas roupas simples. Havia também cartões postais de Roma, que ficava a seiscentos quilômetros da cidade que vivia, neles poucas palavras.... “QUERO QUE ME PERDOE UM DIA, SE PUDER... NUNCA SE ESQUEÇA, TE AMEI DESDE O DIA QUE TE VI, VOCÊ ESTARÁ EM MEU CORAÇÃO PARA SEMPRE.”

Não pude conter, as lágrimas corriam em minhas faces, uma dor dentro do peito latejava, o homem forte, dono de si já não conseguia se conter, as emoções explodiam dentro de mim, me fazendo fraco diante da descoberta... Mas por que essa mulher me deixara? O que aconteceu para que me deixasse a própria sorte? Suas feições não revelava ser alguém que pudesse fazer mal a ninguém... Por que meu Deus, por quê?

As explicações poderiam estar nas páginas daqueles cadernos. Confesso, não ter coragem para ir adiante, mas não poderia parar, dentro do peito como se fosse uma faca sendo fincada, aqueles cadernos que por mim teriam que ser abertos, me feriam brutalmente. A verdade pode ser dura, mas prefiro a verdade mais feia do que a mentira mais bonita, que assim seja...

As primeiras palavras por mim foram lidas, segredos iam se revelando... Quanto sofrimento diante da verdade! As letras foram ficam cada vez mais confusas, talvez o desespero daquela mulher estava vidente nas palavras.

O nome dela? Laura... Não sei o seu sobrenome, apenas que era Laura, uma mulher de vida simples, sonhadora, inocente que fora iludida. Por quem? Pelo meu pai adotivo, que era meu Pai de verdade.

Meu pai, na época era jovem, talvez tenha ficado encantado com aquela mulher, mas era casado com minha mãe adotiva, e não podia desfazer-se de sua família.

Quando li toda a história da minha vida, ainda necessitava de outras respostas, chamei meu avô Bépe, que de braços abertos me acolheu num longo abraço, com sempre fazia quando estava me sentindo desprotegido, aqueles braços sempre foram meus suportes, meu apoio.

Perguntei sobre o meu pai e ele disse que ele também não sabia da verdade, minha mãe havia escondido, envergonhada daquela situação. Quanto orgulho tenho dessa mãe que apesar de saber que eu era fruto de uma traição, mesmo assim, me acolheu, me protegeu.

Nessa história quem mais sofreu foi essa mulher que eu chamo de mãe, e não poderia ser diferente, em seu coração havia mais amor, muito mais amor do que em qualquer outro.

Corri até o quarto de mamãe e ajoelhado em seus pés, perdi perdão, pois fiz parte de seu sofrimento, e mesmo assim ela se fez forte para me criar e me dar tudo o que tenho hoje.

Dona Rita olhou-me nos olhos, com aqueles ternos olhos e me disse: Como posso te odiar, meu filho, pois sem você não saberia o que é um amor verdadeiro.

Deste dia em diante, não preciso mais de respostas, já as tenho, sou completo.