CASA DE JOÃO DE BARRO
Heringer

Quando menino, eu ingenuamente engaiolava as aves pensando assim demonstrar a grande afeição que nutria por elas. Não por todas! Mas, àquelas de cantos sonoros e agradáveis ou de belas e coloridas plumagens. Esta visão deturpada da afeição, se não reinterpretada a tempo, deve acompanhar muitos homens até a idade adulta, pois, não são poucos os que insistem em aprisionar os seus entes "amados". Hoje não faço isso; já não possuo gaiolas e prego discursos libertários quando me deparo com uma ave trancafiada.

Tive um casal de canários da Terra. A exuberância de seu amarelo ouro e o cantar trinado deixava-me encantado. Moravam em um viveiro; um espaço relativamente amplo de um metro quadrado. Coloquei lá, pra eles, uma casa de João-de-Barro que havia comprado de um menino da roça. Os canários gostam muito destas casas, que uma vez abandonada por seus construtores, são por eles utilizadas para suas posturas e procriação. A princípio parece que gostaram; iam e vinham lá de dentro e carregavam os fiapos de corda e barbante, bem como as trinas de cavalo que eu lhes fornecia.

Não posso precisar exatamente quando começaram os tumultos e os desentendimentos do casal; mas pude perceber que havia um problema; e parecia ser coisa muito séria. O fato é que, o antes tão amoroso e prestativo canário, agora vivia às turras com sua parceira. A princípio não quis me meter, seguindo à risca a sabedoria popular que diz que "em briga de marido e mulher não se mete a colher". Sou desses que observa com atenção e respeito os ensinamentos do povo; mas a crise conjugal alcançou limites tais que já colocava em risco a integridade física da pobre consorte.

Enchi-me de bons propósitos e coragem; disposto a dar fim àquela união desastrosa. Antes, ainda curioso a respeito, retirei de lá a casa de barro com que lhes havia presenteado; por suspeitar que esta poderia estar sendo a causa da discórdia do casal. Eu já observara que as brigas se intensificavam quando ela, a canária, recusava-se a entrar na câmara de núpcias. Passou-me muitas coisas pela cabeça; mas não tenho a percepção que os canários têm; eu era muito jovem então, para sequer compreender a ira daquele orgulho ferido. Peguei da casa que fora do João e quebrei-a; queria ver se havia um ninho construído ou coisa parecida. Todo o mistério desfez-se ante os meus olhos aturdidos. Percebi num momento todo o drama de um marido traído; dentro estava o ninho bem feito de cordinhas e pelos, e nele uma ninhada de camundongos recém-nascidos se espremia. Cinco ou seis pequeninos ratos ainda cegos e de pele rosada e transparente.

Encontrei, mais tarde, o orifício na tela de arame por onde entrava o casal de camundongos que se apossara da casa de João-de-Barro e o fechei cuidadosamente. Coloquei, desta feita, um caixotinho de madeira para servir como suíte do casal, que então, história explicada, desconfianças desfeitas, pareciam felizes e dispostos a recomeçar uma nova vida. E aprendi a estar atento a mais um dos sábios ditos populares e comumente empregado em questões similares:"Não era nada do que você estava pensando...!"
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