INVENTÁRIO
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Francisco
Pascoal Pinto de Magalhães
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dias antes enterrara o pai no mesmo jazigo onde cinco anos atrás fora sepultada a mãe e levara o cachorro, último companheiro do velho, para o sítio dos tios - mas o bicho, cujo destino parecia estar intimamente ligado ao do dono, de tristeza também se finou. então resolveu dar uma geral na casa paterna e desocupa-la para pô-la à venda, fazer uns cobres, que para os vivos a coisa também não andava nada fácil. chegou cedo, abriu as janelas para arejar o ambiente e começou a empacotar os livros empoeirados e os discos de vinil de quarenta e oito rotações, a queimar jornais, roupas com cheiro de naftalina, revistas e maços de cigarro. o uísque barato do velho, derramou no vaso sanitário. depois esvaziou móveis e tralhas e ligou para uma instituição de caridade pra que viessem buscá-los. consigo, decidiu, levaria somente os álbuns com as fotografias da família e as cartas que os velhos trocaram apaixonados antes que a vida e a morte os unisse em selado destino. já ganhava a rua quando lembrou-se de retirar da parede da sala o seu velho diploma da escola de datilografia e mecanografia com a foto três por quatro em que aparecia imberbe e com olhos assustados. detrás do quadro de moldura escurecida descobriu, embutido na parede, um cofre pequenino com uma fortuna razoável. "deve ter tirado a sorte grande, o safado", riu referindo-se ao pai com um certo carinho. e só então compreendeu o que o velho quis lhe transmitir - e ele havia feiro pouco caso - quando apontava para o diploma de datilógrafo dizendo que ali estava a garantia do seu futuro. |
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