AMOR A TRÊS
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Dam Nascimento
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Vai explicar o amor, este jogo maluco, sem regras, é fogo interno, é desejo irradiado, é pecado de consumição. Gardênia, morena formosa, tinha a cor do pecado e os olhos de mel. Sua figura realçada por cabelos ondulados, exalava uma sensualidade discreta de um tom inocente e tentador. Ela era casta, religiosa, suas atitudes eram de uma pureza tão intensa que tornava-se difícil acreditar. Vivia para os filhos e para o marido. Ele,João Carlos, considerava o casamento como um de seus maiores negócios; já não detinha mais o ar da juventude e nem a saúde do soldado que fora anos atrás; sobrava-lhe a experiência de um homem vivido, os truques de uma raposa e a falta de ar provocada por uma asma quase emocional. Era um bom pai, um bom companheiro e dentro do aceitável, um bom marido. Gardênia vivia feliz, ao menos achava; sua vidinha honesta e sem grandes mudanças. O tempo foi passando, os negócios de João lhe cobravam cada vez mais viagens e a sua ausência em casa já se fazia um fardo para Gardênia. A solidão lhe consumia dia a dia e como obra do destino, sua filha ficou muito doente. Ela passava cada dia mais tempo na igreja e resumia-se a ser apenas mãe e beata. O padre Thomas já estava acostumado a vê-la ; muito embora sem definição, porque a idade avançada e os problemas oculares dificultavam sua vida. Ele era um senhor de setenta e poucos anos, juntando as últimas forças antes de encontrar Jesus e na sexta-feira da mesma semana ele se foi. Como era de costume, Gardênia voltou à igreja segunda e aquela voz no confessionário mexeu com ela. Ela estava curiosa e encantada com o sotaque italiano. Quem seria ele pensava? Mais tarde viria a descobrir ser o padre substituto. Ele tinha a mesma idade de Gardênia, 26 anos. Ciro Angelucci era seu nome, nascido em Veneza; ela tinha razão, italiano nato. Seu rosto era modelado por cabelos pretos ondulados, um cavanhaque bem aparado e o mistério endoçado de olhos verde topázio. Gardênia não sabia ao certo o que sentia; mas, em casa rezava para que a chama que lhe incendiava se apagasse. No dia seguinte estava na igreja novamente e começou a notar que a sua presença também o incomodava. Era inconsciente, mas estava cada dia mais cheirosa, mais vaidosa, mais arrumada. No confessionário, a voz dela suave, estremecia a estrutura dele de ponta a ponta. Ele sentia o suor descer por seu corpo atlético que ela incessantemente olhava e cobiçava mesmo sem querer; aquelas bocas queriam se tocar e misturar as almas, crescia um desejo libidinoso entre eles e ambos se flagelavam distantes. Era errado , era pecado, mas eles não conseguiam parar de se ver. A grade do confessionário aumentava a tensão; ele falava como um santo e desejava possuí-la como o mais libertino dos mortais. Suas palavras chegavam ao ouvido dela e aquele ar quente lhe descia a nunca, lhe soltava os cabelos,a deixava louca; seu corpo respondia aos estímulos e ela no reservado umidecia, derretia, derramava, sentia vontade de se rastejar nua e transpassar a grade. Um dia, passando atrás da igreja, ela o viu no chuveiro e quase instintivamente se juntou a ele. Eram dois corpos e uma só chama; eles se entregaram ao desejo mais profundo e aquelas coxas trêmulas se uniam, aqueles braços se entrelaçavam e aquelas bocas se devoravam. Era errado, mas eles estavam em seu apogeu. O marido notou a diferença em casa, ela havia acordado para o desejo; de dia era uma dama,na cama , uma devassa. Era mãe, beata e cada dia mais mulher. Estava dividida entre o amor de rotina, a família ,os filhos e o incêndio do contato com Ciro. Os meses se passaram e a cada manhã ela parecia mais bonita, mais cheirosa, mais arrumada e a cada vez com mais desejo. Desconfiado de suas atitudes, João seguiu Gardênia um dia à tarde e quando os seus olhos encontraram a imagem ele chorou; chorou pela mulher que amava, como uma criança sem lar; chorou pelo tempo perdido e notar que não havia mais jeito. A emoção foi tão forte que ele foi acometido de uma crise forte de asma e foi parar no hospital. Sua vida ficou por um fio e ele quase se foi. Ele passou por momentos difíceis e a vida dos três foi arrasada. O casamento que já não fazia sentido, foi desfeito e cada um para um lado. Dois anos depois, já divorciada, ela vai a Veneza e ao acaso encontra um Ciro que deixou o celibato,com quem resolve casar. Dizem que o destino traça caminhos tortos e o padre do casamento era nada mais nada menos que João, que um tempo após a separação tornou-se padre e descobriu a sua verdadeira vocação. |