CONSIDERANDO O CORNO
Beto Muniz
 
 

Existem inúmeras anedotas sobre o corno, mas em nenhuma delas o autor considerou que o corno é, antes de tudo, uma instituição a ser preservada e respeitada. Por esses equívocos eu quero, do alto de minha isenção, defender tão mansa figura.

Sim, mansa figura! O corno autêntico é manso e suave. O indivíduo que se descobre representante dessa categoria e parte para agressão, separação e até assassinato, deixa imediatamente de pertencer a ela. Isso porque se o sujeito toma atitude contrária a manutenção de sua condição, ele passa automaticamente para a categoria de traído; marido traído, noivo traído, etc. Mais um dos tantos equívocos cometidos pelos comborços é acreditar que a coisa toda funciona nos termos do entendimento judiciário, ou seja, "o desconhecimento da lei não isenta o indivíduo de sujeitar-se a ela". Ora, o homem que desconhece pertencer a categoria dos cornos, não é. Ele é um inocente. O verdadeiro corno sabe! Sabe e se mantém numa fingida ignorância e quando alguém tenta alertá-lo ele disfarça como se o assunto não fosse com ele. Aliás, não se deve alertar um inocente. Corno se descobre corno por acaso e por conta própria. Essa é uma regra que a grande maioria dos caluniadores de cornos desconhece. Já os cornos conhecem bem todos seus direitos, deveres e características básicas. O que estraga a felicidade da categoria é o sujeito comborço. Esse indivíduo desconhece todas as regras que ditam a boa convivência e acha que pode zombar o corno simplesmente por este pertencer a tão nobre espécie. Nobre Sim! Nobre pela singeleza da generosidade, o corno divide sua mulher e ainda se sujeita humildemente ao escárnio. Uma mansidão bíblica! Porém, não convém apregoar os acessórios do corno estando ele presente, pois ao ser publicamente apontado o corno pode se tornar feroz - lembrando que ferocidade é diferente de agressividade.

Voltando a defesa. O corno ser motivo de chacota é uma distorção da verdadeira funcionalidade da instituição, no entanto, é preciso admitir que o corno tem grande parcela de culpa na ocorrência dessa inversão: O corno não se defende e não defende seu semelhante; o corno não se orgulha por sua mulher ser desejada e amada por outro homem; o corno não exalta seu bom gosto e faro por mulheres vigorosas; e principalmente, os cornos não são unidos em torno da causa. Aliás, é muito mais fácil encontrar um corno entre outros comborços escarnecendo de um seu igual, que se solidarizando e defendendo aquele que está sendo ridicularizado. Já o maior dos equívocos cometido pelo comborço é que ele, literalmente, cospe no prato em que come. Esquece que o corno é seu parceiro e como tal deveria ser tratado com respeito e consideração. Fosse mais inteligente o comborço poderia concluir que o corno somente é corno porque tem uma mulher interessante. Mais! A mulher do corno deve ter por ele a mesma e dedicada atenção que dispensa ao comborço, então deveria ser fácil entender essa lógica e compreender que protegendo o corno e, esporadicamente, enaltecer suas inúmeras qualidades aumentaria as chances de permanecer mais tempo como insuspeito comborço. É muito mais fácil administrar a situação sendo comborço de um amigo. Não que seja imprescindível ser amigo do corno! Ao contrário, comborço de inimigo é mais prazeiroso.

Admito a existência de fatores a serem considerados na defesa da chacota ao corno, o maior deles é que todo corno é corno por prazer. O corno que diz se manter no triângulo societário apenas por amor à mulher, mente. Na verdade o corno se julga incapaz de conquistar uma outra fonte de prazer tão generosa e abundante quanto à fonte atual (aqui, eu considero que a mulher que faz do corno um corno, assim o faz por ser uma fonte inesgotável de prazer) e, sentindo-se incapaz de explorar totalmente essa fonte, abre espaço para a exploração, em parceria com o comborço. "Melhor dividir o prazer que perdê-lo" - o corno deve pensar. Mas o comborço também é um covarde! O comborço só se mantém no cargo por medo de assumir compromisso com a mulher que o encanta. Teme inversão de papel; assumir relacionamento e futuramente se ver obrigado a dividir sua abundância. A conclusão deveria ser clara e o comborço - que preza sua condição - não deveria menosprezar nem ridicularizar o corno, seu parceiro no usufruto de prazeres.

Comborço esperto não alardeia sua condição, fica na miúda, só obtendo prazer. Todos envolvidos deveriam ficar na miúda! É extremamente raro os três interessados nesta sociedade se permitirem alguma divulgação. E quando um trio, em comum acordo, permite alarde da sociedade estabelecida, acontece a sublimação do corno. Uma tragédia! Pois apesar de serem mutuamente necessários, tradicionalmente, o corno e seu comborço não devem se bicar. No máximo é permitido conviverem no mesmo circulo social. Convivência é sempre por mérito do corno, o lúcido, que adota medidas de segurança. Se deixasse por conta do comborço, o Insensato, todas as parcerias seriam desfeitas de imediato. É o corno quem liga pra casa, avisando que vai chegar mais cedo. É o corno quem bate o portão, quem chega limpando os pés com estardalhaço, quem se atrapalha com a chave da porta, quem faz festa com o cãozinho antes de entrar em casa... O corno nunca tem cachorro grande, daqueles que mordem, pois em preservação do comborço só se permite a posse de cãozinho que late. Chyu-aua pra baixo. O corno não gosta de morar em apartamento e, se mora, prefere o térreo. Se bem que, após a popularização do telefone o corno deixou de se preocupar com alturas. Em compensação passou a se preocupar com o cardápio e no final do expediente liga perguntando o que sua amada está preparando para o jantar.

Ironia, justamente por todos esses cuidados em proteger e preservar o comborço, o pobre do corno é tratado com escárnio e desrespeito pelo seu protegido. Uma total falta de consideração, já que o correto seria o corno ser muito respeitado. Se não pela instituição que ele representa, pela mansidão com que age. O corno, se não é provocado, nunca se mete em brigas, avenças, disputas ou qualquer pendenga. O corno é um manso pela própria natureza. E tem uma sorte invejável com mulher!