MILDRED
NÃO GOSTOU DO REGALO
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Alberto
Carmo
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Que coisa, Mildred! Olha o jeito que o meu cabelo ficou! Parece que eu passei brilhantina, Mildred! Você pelo menos podia ter-se dado ao cuidado de lavar a frigideira antes de dar com ela na minha moleira. Além do mais, devia ficar orgulhosa com o presente que eu te dei. Afinal de contas, não é qualquer mulher que tem uma caçarola como essa que eu te comprei, e que, aliás, custou uma nota. E que eu, na inocente intenção de te agradar, minha couve à mineira, até mandei gravar teu nome na tampa. E em letras góticas, Mildred! O calígrafo me cobrou os olhos da cara. Quanta injustiça neste mundo, meu Deus! Você, nessa cruel indiferença, nem leu a trovinha que eu mandei gravar no verso da tampa da caçarola em dourado sobre Teflon: Para Mildred, meu tutuzinho de feijão, com todo amor do meu coração. Até rimei, Mildred! E Mildred, vê se pára de freqüentar essa academia. Com esse punch que você tem, até o Cassius Clay vai à lona. KO no primeiro round. Doeu, viu Mildred! Mesmo porque, minha pimenta dedo-de-moça, você pode inaugurar a caçarola na feijoada de sábado. Já encomendei os pertences no açougue e, com minha assistência técnica, tenho fé inabalável no seu sucesso nesta empreitada, arquiteta das minhas alvoradas. Desta vez você vai me conquistar pelo estômago, pela vesícula e pelas papilas gustativas. Mildred, seja razoável. Só porque amassou a frigideira não significa que eu seja cabeça dura. Veja o lado bom das coisas. Pense naquela preguiça que vai dar depois da feijoada. Aí a gente tira aquela soneca a dois e, pouco antes do pôr do sol, faremos aquela farofa na cama, minha farinha de mandioca temperada. Eu adoro teu tempero, Mildred. Mas, Mildred, você não devia ficar assim brava toda vez que eu compro mais um cacareco culinário. Lembre-se, a caçarola é a pièce de resistence de uma cozinha. Mire-se no exemplo da cozinha da minha mãe, Mildred! Parece o naipe completo de metais da sinfônica de Berlin. Aquela panelada reluz de tal forma que eu só entro lá com meu Ray-Ban verde-escuro legítimo ao estilo do vigilante rodoviário. Hei de fazer de tudo pra que você um dia tenha um aparato daqueles, maestrina dos meus manjares! Você ainda vai ser uma cozinheira de mão cheia, Mildred. Eu sinto isso no coração; e no estômago, e no esôfago também. Parece que já estou vendo: as seis bocas do fogão, e o forno, a todo gás, repletos de iguarias borbulhantes e saborosas. Você, no elegante avental que eu te dei no Dia Internacional das Mulheres do ano passado, regendo aquelas especiarias Bachianas. Só de pensar nisso me deu uma fome danada... Já sei, Mildred! Enquanto sábado não vem, vou ligar pro Bolinha e pedir duas mini-feijoadas pra viagem; fica assim como uma prévia de sábado. E, coração da minha alcachofra, enquanto eu encomendo a feijô, me espera lá em cima toda trigueira, que nós vamos curtir um tira-gosto do jeito que só a gente sabe. E, Mildred, deixa um band-aid no jeito, que a frigideirada deixou marcas indeléveis. Já estou subindo, minha caipirinha de absinto! |