A
MULHER QUE EU JAMAIS ESQUECI
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Afonso
José Santana
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Eu
a vi pela primeira vez quando caminhava, pensativo, dentro do shopping.
Tinha os cabelos escuros que voavam ao sabor do vento. Chegavam quase
até os ombros. Tinha aquele jeito feminino de fazer os cabelos
dançarem chacoalhando a cabeça para trás. Eram
curtos e lisos. O andar era como o farfalhar das folhas no outono, como
eu nunca vira antes. Era extremamente feminina. Eu não conseguia
desviar os olhos. Aliás, os olhos pareciam duas amêndoas
brilhando num rosto angelical. Era como se eu estivesse enfeitiçado.
Num determinado momento ela parou, consultou o relógio, sentou-se
num banco que havia no shopping, cruzando as pernas. O cruzar das pernas
a tornava ainda mais totalmente feminina. Eu a olhava sem cessar. Em
determinados momentos ela me olhava e eu, discretamente desviava os
olhos. Segundos depois a olhava novamente. Não tinha como não
fazê-lo. Olhando mais detalhadamente vi que tinha sardas (as sardas,
no meu modesto pensar, dão o toque sutil à cútis
da mulher). Deveria ter seus 40 anos, mas a mulher de personalidade
nunca aparenta a idade que tem. Tem sempre bem menos idade. Seus lábios,
pude ver sutilmente, eram torneados, como os lábios de uma mulher
de uma mente brilhante (às vezes algumas características
físicas têm a ver com as características da sua
personalidade). De repente nossos olhos se cruzaram. Não consegui
desviar, ela também não. Parecia uma magia. Sorrimos um
para o outro e logo o desfizemos. Ambos ficamos sem jeito. Resolvi que
não poderia perder a chance de conversar com ela, ou eu ficaria
me remoendo o resto da vida por não ter arriscado. Escondi o
relógio, levantei-me e, olhando as vitrines para disfarçar,
me aproximei dela e perguntei-lhe as horas. Ela me respondeu com a extrema
educação que só mulheres de personalidade têm,
com um belo sorriso nos lábios (ah, que sorriso! Que lábios!)
engasguei por alguns segundos mas arrisquei umas palavras. Aí
a conversa desandou. Conversamos coisas do dia a dia, coisas pra passar
o tempo... aí arrisquei: poderíamos tomar algo? Me acompanharia?
Veio a resposta fatal: puxa, agradeceria muito, mas estou esperando
alguém! (a terrível resposta não esperada!). agradecí,
claro que terrivelmente abalado, disse um até logo e me afastei.
De repente me virei, já bem longe dela, e resolvi vê-la
pela última vez, foi quando vi um homem, charmoso até,
aproximar-se dela. Ela levantou-se, beijaram-se, deram-se os braços
de tomaram um caminho incerto. Algumas lágrimas escorreram pela
minha face. A garganta parecia estar amarrada com um cabo de aço
em volta. Dei meia volta e segui meu caminho. Será que voltaria
a vê-la?? E se... não, não seria possível,
ela voltar ao mesmo lugar num outro dia qualquer, só pra eu vê-la
novamente. Isso não poderia acontecer. Isso só pode acontecer
a cada mil anos... ou mais. É até mais fácil eu
ver o cometa Halley passar novamente, aproximando-se da Terra, do que
eu ver essa doce mulher novamente. Até hoje nunca mais voltei
àquele shopping. Faço o maior esforço pra não
pensar mais naquela doce mulher. A mulher que por alguns momentos enfeitiçou
minha alma, meu espírito, fez meu coração bater
pela primeira vez descompassadamente. Hoje, no auge dos meus 70 anos,
com meus netos e bisnetos até, ainda me lembro (como nunca consegui
esquecer!) o doce balançar dos cabelos e o andar elegante como
o farfalhar das folhas de outono.
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