O
HÁBITO
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Maria
Cláudia Gaiannes
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Nós convivemos todos os dias com muitas pessoas, a cada uma damos uma quantidade de importância, sem termos nunca a certeza se essa quantidade é suficiente. Temos hábitos que nos levam todos os dias a fazer determinadas coisas, de um determinado jeito, mas não temos a sensibilidade necessária para perceber o quanto somos presos a esses hábitos, até o momento que as correntes nos apertam. Então somos obrigados a mudar o que parecia ser tão certo, entender que a vida é o exercício contínuo de ignorar o que nos sobra e conviver com o que nos falta. Theodoro não parecia diferente de ninguém, mas sob sua pele corria sempre um arrepio mais profundo. Apaixonava-se demasiadamente por muitas pessoas, sem precisar de muita realidade em seus compromissos, apaixonava-se lindamente, e Isa sabia sempre de tudo, pois Theodoro lhe contava os mínimos detalhes de sua alma inebriada, entorpecida por bravos sentimentos, que o levavam a escrever deliciosos poemas para desconhecidas mulheres, que Isa lia e se encantava. Temos que dizer muito sobre Isa, pois, ela tinha pensamentos e sentimentos nobres, mulher ainda meio criança, sem consciência de ser mulher ou criança, trabalhava de babá, passara por muitas casas de família, cuidara de muitos bebês e pequenas crianças, sempre muito bem. Todas as noites ia a casa de Theodoro e quando ele, dando alguma desculpa, dizia não poder recebê-la, ela ficava vagando dentro de seu próprio quarto, inquieta sem saber o que fazer, com seu pai bêbado na sala e sua mãe no quarto ao lado também sem saber o que fazer. Algumas vezes quando ela já havia desistido de esperar que Theodoro ligasse dizendo que ela poderia ir para sua casa, o telefone tocava e era ele implorando para que ela fosse até lá, como se não tivesse sido ele mesmo que horas antes a tinha impedido de ir. E é claro que ela tentava ignorar, dizer que estava tarde, que tinha que trabalhar no outro dia, mas dez minutos depois estava saindo pelo portão, com o coração apressado para ir até ele, porque ele a chamara. Muitas vezes Isa não chegava a falar meia dúzia de palavras, só Theodoro falava, falava de muitas coisa e algumas pareciam incompreensíveis para ela e, nesses momentos, Theodoro se sentia sozinho, porque sabia que Isa não o compreendia e, sendo assim, não poderia se importar, desejava então outra pessoa para estar ao seu lado, uma pessoa que pudesse perceber onde ele queria chegar e, mais do que isso, que o inspirasse a superar o que ele não conseguia dizer. Sentia vontade de mandar Isa embora, mas não mandava, deixava-a quieta ali ao seu lado. Havia sim momentos leves, nos quais enlaçam as mãos, acariciavam-se ternamente como quem não tem medo porque nada quer. Porém uma noite Theodoro teve uma crise de paixão, por uma das mulheres que haviam se mudado para a casa ao lado e que, enfim, ele descobrira que não eram irmãs e sim amantes. Theodoro chorou, não se conformava, Isa ficou acariciando seus cabelos até que ele adormecesse. Então quando percebeu que seu corpo enfim se entregara ao sono, ela aproximou-se para dar um beijo de boa noite, mas seus lábios foram arrastados suavemente até os de Theodoro, onde repousaram por alguns instante, tão leves quanto uma brisa, com medo de despertá-lo. E desde esse dia criaram um novo hábito, Isa só ia embora após Theodoro adormecer e ela lhe beijar os lábios, mas isso ela achava que ele não sabia, até a noite em que os lábios dele começaram a responder e a buscar os dela. Determinou-se um pacto secreto, sem nenhuma palavra, que se consumava quase todas as noites. Theodoro terminou o seu mestrado, começou a lecionar em uma graduada universidade e percebeu que a vida tinha que se concretizar, apaixonou-se mais uma vez por uma de suas alunas, com grande escândalo fez-se o casamento, muitos preparativos, muitas conversas, entendimentos e desentendimentos, até Theodoro quase não suportar. Na noite anterior ao casamento ele não quis sair nem quis nenhuma festa, disse estar muito cansado e chamou Isa para conversar. Falaram do terno, da gravata, da casa na nova cidade onde ele ia morar, ela falou bastante nessa noite, ele também, falavam quase desesperadamente. Até que ficou muito tarde e ele, com o coração amedrontado, perguntou se ela o esperaria dormir, ela não pensou para responder que sim. E o hábito, já transformado em vício, levou-os por boa parte da noite, até o fim. O casamento foi lindo, a festa foi ótima. Theodoro por toda a sua vida ficou esperando que sua mulher viesse beijá-lo depois dele adormecer, mas ela sempre adormecia primeiro, ele pensou em lhe pedir que esperasse, mas isso, nesse tipo de pacto, não se admite palavras, estava condenado a dormir sem paz. Isa se casou também dois meses depois, teve seus próprios filhos para cuidar, um ótimo marido, todas as noites ela era a última a dormir, beijava seus filhos, beijava seu marido ternamente, e guardava escondida dentro a alma a sensação que ainda faltava alguém para beijar. |