NA
TERRA DE ZÂMBI
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Ly Sabas
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*Cuidado
zifio,
com a Terra que você pisa. Cuidado zifio, muita coisa pode acontecer...
Sentada em sua cadeira branca, de espaldar alto em forma de leque, a mãe-de-santo acompanhava cada movimento dos médiuns, que em semi-círculo, de mãos dadas, cantavam acompanhados pela cadência vibrante dos atabaques. Seu corpo alquebrado pelo tempo implacável não lhe permita mais servir de cavalo para suas entidades. Agora ficava ali sentada na cadeira posicionada ao lado direito do altar, observando tudo com atenção.
Preta-velha
já viu,
Aquela era uma tarde especial para o terreiro; festejavam o dia em que os negros haviam se libertado dos grilhões da escravidão. Através dos médiuns os pretos-velhos trouxeram seus ensinamentos a quem estivesse disposto a aprender com eles. Com suas falas mansas e gestos lentos discorreram sobre a importância da resignação aos desígnios de Zâmbi. Ensinaram aos filhos de fé a agradecer por todos os sofrimentos, porque deles adviria a redenção. Com carinho procuraram fazer com que entendessem que o sentimento de escravidão poderia se perpetuar eternamente se não se libertassem do fel gerado pelo ódio e pelo rancor. Entre baforadas de seus cachimbos afirmavam que o amor incondicional é o caminho para a luz.
Vamos
dar as mãos,
A idosa mãe-de-santo acompanhando a cantiga vertia lágrimas sentidas e com fervor agradecia à Oxalá cada dia vivido dentro das leis que regiam seu culto. E pedia que lhe desse coragem para se desligar das responsabilidades que há muitos anos havia assumido. Implorava perdão pelo sentimento de orgulho em achar que ninguém estava à altura de substituí-la no comando de seus filhos. Dizia baixinho, com as mãos cruzadas no peito, a cabeça baixa em sinal de respeito: Malême, meu Pai, malême...
Pois
na Terra de Zâmbi
*Cantiga afro-brasileira de autoria de Lavoisier Menezes |