SOLETRANDO
Hugo Carvalho
 
 

Foi muito, muito divertido. Tanto que me dispus converter em texto a diversão. Tão agradável e enriquecedora que estaria por merecer um bom charuto para acompanhá-la. Tal não sendo possível por envolver um menor de idade, tive que me conformar com o charuto enquanto palavra.

Vamos aos fatos. Meu guri menor, o mirim que completou seis anos no São João que se passou, às voltas com sua iniciação na leitura – a alfabetização é uma das mais importantes “iniciações” do ser humano – adora chegar de mansinho, como um canguru, pé ante pé, como se estivesse dando grandes saltos em câmara lenta, aqui por detrás de mim, quando me encontro ao computador.

Debruçando-se carinhosamente no meu ombro, sem pedir licença, se esforça em tentar ler as palavras que, fugindo do teclado, se prendem velozes à luminosa tela do monitor de vídeo.

- Pô pai! – protesta ele – Tá muito rápido, assim eu não posso ler! Como é que tua mão aprendeu a ver as letras?

Faço-me de desentendido, tentando não perder a linha de raciocínio que pautava meu texto. Impossível prosseguir. O guri insiste.

- Bota umas letras grandes pra eu ler, papai!

Não mais me faço de rogado. Digito em letras graúdas, fonte 22:

CHARUTOS

Malvadeza pura.

O menino ainda está no bê-a-ba, no dê-a-da e eu fui logo desafiá-lo com a muralha de um CH e, ainda, com um plural.

Mesmo assim o bichinho não se intimidou.

Com o destemor dos que desconhecem as armadilhas da vida, aos trancos, começou a desfiar; eu rindo discretamente:

Ce – agá – a – re – u – to – si.

Tento ajudá-lo, explicando.

Ce – agá – a: cha; re – u: ru; tô – si: tos. Charutos.

Ao que o guri, sabido a mais não poder, sai-se pela tangente, vingando-se de mim e dando-me uma bronca.

- Pô pai! Eu não tô lendo, eu só tô soletrando!