VERTIGEM
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Francine Ramos
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Não valeu do tempo para a chuva acertar minha cabeça. Se eu pudesse voltar atrás e contar os passos seria setenta e sete até as águas do céu cairem sobre minha cabeça. Era segunda-feira, eu segurava minha bolsa azul turquesa com uma das mãos, na outra as flores na direção do meu quadril. Flores vermelhas e brancas para decorar meu escritório. Meus óculos estavam na ponta do nariz. Cada obstáculo na calçada me dava vertigem, achava que ia cair. Tonteira da idade. Capenguei para um lado, quase dei com a cabeça no muro pichado pelas gangues da cidade. É desses muros que quero falar. Eles são feio, coloridos e feios. Quando vejo esses desenhos imagino moleques famintos comprando tintas para pintar os muros, imagino-os com o cabelo caindo nos olhos, o joelho ralado e marcas de qualquer tipo num rosto mal lavado. Imagino mãos duras com unhas pretas e dedos no nariz. Mãos no saco, mãos na lata de cerveja. Cerveja com a lata preta de sujeira. E como um flash essa imagem some da minha memória e vêm outras. Imagino um garoto de cabelo da moda, calça da moda, camiseta bem passada. Um rapaz cheiroso com cigarro Mallboro no bolso comprando as tintas também, tirando da carteira o cartão de crédito do papai enquanto solta a fumaça do cigarro. Imagino seu carro bonito, música alta e um olhar sorridente para a orla da praia. E desce do carro com seus amigos para escrever no muro. Pronto, pensamente desfeito. Agora imagino um garoto lendo o jornal, indignado com as notícias, um garoto tomando café na padaria, contando as moedas do bolso. O dinheiro dá. O garoto vai até a loja e compra tintas. Tintas para pintar o muro. E eu deixando a chuva escorrer pelos meus braços, tento armar o guarda-chuva, tento não pensar nos rabiscos da parede a minhas costas. Não consigo. Eles estão lá! Os três pintam paredes brancas, os três brincam de aventuras, brincam de prazer. E quantos outros garotos mais! Eu parada a espera do ônibus na chuva, perco em mim meus desejos secretos. Queria estar seca, queria flores vivas. A chuva estragou meu dia e não tirou a tinta da parede. |