ONDE
ESTARÁ LEILA?
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Claudio
Fittipaldi
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Com o calor e a luminosidade já sendo arrefecidos pelo sol que procurava o horizonte, a sensação quase bucólica daquele entardecer na Rua Gama Cerqueira, dava-lhe um sentimento de nostalgia,que invadindo alma, o subtraia da realidade. Aos poucos ia diminuindo o passo, as rodas se aproximavam ao meio fio, e as lembranças simultâneas e proporcionais à desaceleração do carro que nem ar condicionado tinha, iam se assenhoreando da situação. De repente parou, movido por um arremedo de "pé no chão" que ainda restara, consciente do trânsito pequeno, porém, real. Desligou o carro e não fosse ter se tornado abstêmio anos antes, teria acendido um cigarro... Aquela passagem apenas servia apenas como alternativa para o movimento das avenidas; não que tivesse pressa, mas pela força do hábito de escolher os melhores caminhos. Percebeu que a rua do ônibus elétrico, a padaria Almada e até a escadinha da "barroca", tinham ficado prá traz, havia um minuto e muitos anos. Naquele interregno iam se diluindo as preocupações, sucumbiam ansiedades e afloravam reminiscências. Surgiu na mente o caminho diário para a escola, a foto com a primeira camisa do Palmeiras, verde de verdade, tirada no estúdio fotográfico; a turma da bola na rua, que incluía a Isabel Cristina, insistente em formar time com os meninos. Não mais do que por um instante, lembrou tê-la encontrado anos mais tarde no aeroporto de Manaus, totalmente feminina, linda. Revivia detalhes dos fatos, podia se lembrar das cores, de coisas, do tom de voz dos tios quando discutiam e vociferavam impropérios, do gosto "maledeto" do leite de magnésia, das fisionomias das pessoas queridas e até mesmo do cheiro da Dona Assunta, uma vizinha que tinha cara de bruxa e pouco asseio. Mas não conseguia lembrar-se da fisionomia do primeiro amor, Leila, embora cavoucasse a mente, ávido em saborear a nata daquele enlevo. Tocou um pouco mais adiante. Defronte ao número 357 observou duas portas de aço fechadas, outrora o açougue que ladeava o portão da vila de apenas três casas. Percebera então que a fisionomia dela não era o único registro perdido, já que mesmo insistindo, não conseguia distinguir as moradias. Deu-se conta que o lapso não fazia menos importante a lembrança, da qual nunca se separara de fato, apesar do tempo e do "bric-a-brac" da vida. Podia até provar isso, pois o último amor feminino da vida dele também se chamou Leila, fruto de um acordo com a jovem e compreensiva esposa, no nascimento da filha em 1.976. Na seqüência reverberavam os bons momentos que viveram próximos, sempre dentro dos encontrinhos no corredor, na rotina do dia a dia. O retroagir em pensamento mostrou que não existia o "Cheese Salada", Brasília, e fábricas de automóveis; que a seleção de futebol ainda não tinha sido campeã do mundo, e que embora ele e Leila não soubessem, Juscelino Kubsticheck acabara de ser eleito Presidente da República, cargo que naqueles tempos, ensejava caráter reto e probidade de parte do detentor. Dentre as melhores coisas daquele período, se destacavam as visitas do Papai Noel, que apreciaram umas três vezes. Numa delas, chegara o Jeep do exército no saco de presentes. Naquele instante não poderia supor que aquele seria seu primeiro carro e seu segundo amor. No sorvedouro dos pensamentos, aprendeu a lição e concluiu: O amor essencial nada tem a ver com o plano físico, e que nesses casos, só nesses, faz-se eterno, indestrutível. Pensou mais uma vez: - Onde estará Leila? ...Deu partida no carro cinqüenta anos mais novo que o Jipinho e seguiu. |
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