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Valéria Nogueira Eik
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Do fundo de uma serenidade moldada pelo tempo, ela ouviu o interfone chamar estridente. Caminhou sem pressa, pois há muito deixara de correr por coisa nenhuma. Os braços faziam um movimento pendular, tranqüilo, acompanhando o gingado da alma, finalmente em paz. A campainha esbaforida gritou mais uma vez, numa urgência inexplicável, sem que com isto, os passos se apertassem em ansiedade ou mesmo excitação. No portão, uma sombra irrequieta anunciava o homem da correspondência, em sua bicicleta azul e amarela. A carta estendida na mão agitava-se demonstrando pressa. E ela ponderou, do alto da sua calma, o quanto ele ainda precisava aprender sobre esperas. O envelope deslizou pelas grades do portão, foi pinçado por seus dedos pálidos, que se tornaram, de repente, muito mais pálidos. A letra. Meu Deus! Sim. Era a mesma letra. Há quanto tempo! Fechou os olhos e apertou o remetente de encontro ao peito arquejante, como se isto fosse um regresso, um abraço, uma explicação. As nuvens encobriram o sol, criando uma atmosfera cálida. A tarde, o carteiro e a bicicleta se tornaram sombras somente. E a vida, ah, a vida! Deu meia volta ao passado, encolheu-se numa dor conhecida, assustando a calmaria, afastando a prudência e deixando vir ao mundo, mais uma vez, palavras de amor há muito esquecidas. Tanto tempo! A letra regular mantinha o mesmo ritmo cadenciado do machado que corta a lenha, que sangra a seiva, que tomba a árvore e destrói a vida. E ela, ali parada, completamente assustada, abraçava a dúvida, ensimesmada com a certeza. O que diria ele, depois de um tempo quase infinito? O choro se esparramou sobre a face, escorreu pelo pescoço, atingindo o peito, numa torrente caudalosa. Abraçou a carta mais uma vez. Suspirou. Ficou por momentos intermináveis acariciando a incerteza. Trouxe de volta os sorrisos, os cheiros, os sonhos, os sabores, os pesadelos. Vivenciou a saudade imensurável, as preces ignoradas, a espera dilacerante. Suspirou novamente. Rasgou o envelope em minúsculos pedaços e ficou espiando, aturdida e quase alegre, a chuva de papéis picados que caíam pelo chão. |
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