TCHIBUM!
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Kalindra Baba
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Foi
um rio que passou em minha vida Quando estiver em Paris, vá à Place de Tertres, em Montmartre. Você irá encontrá-lo tocando realejo Aquarela do Brasil e Saudade do Cariri, alternadamente. Um tipo de preto, duas plumas enormes na cabeça verde e amarela. Aos domingos, tira a viola do saco e dedilha Garota de Ipanema, ensaiando uns passinhos de samba pra turista ver avec moi !. Se vira como pode esse rapaz vindo lá de baixo do Equador, brotado numa serrinha cearense, nascido de mãezinha que já se foi, Deus a tenha, e eterno devedor de Zequinha Carlos, amigo de infância, de travessuras e de saliências. Enfiou a viola no saco. Prendeu-o no ombro direito, pediu benção, mãezinha, e se foi. Primeiro, à pé. Depois à nado. Mergulhando, atravessou o rio, e só por causa da esperteza do amigo, não se afogou. Salvou-o uma tábua onde os seus onze anos de teimosia se agarraram. Menino danado esse. Danado e tinhoso. Adorava tocar. Tocava no que lhe passava pela frente: o sino da igreja, triângulo na banda do grupo escolar, as cabritas do Honorato, pra fora do cercadinho. E assim foi, tocando a vida. Ao chegar naquela idade impossível, tentando tocar os cabelos as coxas e os peitinhos das mocinhas donzelas, foi tocado pra fora de casa. Desgraçado de moleque sem vergonha !. Com vinte anos deu um jeitinho de voltar, e toc-toc-toc, entrou de mansinho e pediu novamente sua benção, mãezinha. Mas por pouco tempo. Partiu e mergulhou na vida do outro lado da margem. Vira e mexe se sabe dele. Se virava como podia, mexia com tudo: mecânica de automóvel, confecção de roupa íntima, aplicação em mercado de capitais. Virou representante de laboratório, vendedor de telemarketing. Micro empresário. A penúltima vez que tive notícias, estava sendo retirado à força do Sena, juntinho à ponte Sully, onde havia ido afogar as mágoas, as tristezas, a saudade. E refrescar a cabeça. Ia alugar o realejo de um exteriorizateur que estava pra se aposentar, e abrir um negócio ao lado do Sacré-coeur. |