PODE PIORAR
Victor Loureiro
 
 
“Como pode?”, ela se perguntava. “Um homem que lutou numa guerra, já saltou de pára-quedas e deu tiros; que salvou viu gente morrer e salvou vidas; que largou a família no interior para estudar na capital; que deixou o emprego para abrir um negócio; que teve coragem para me chamar para sair, para pedir um beijo, para pedir minha mãe ao meu pai – que Deus o tenha!”

Ela pensava assim enquanto olhava o companheiro de mais de cinqüenta anos inquieto como nunca o vira antes. Dizer, porém, disse apenas:

– Anda, homem, tá esperando o quê?

Mas ele não respondeu. Estava muito ocupado com suas próprias reservas e seus próprios pensamentos.

“Por que eu? Eu já joguei de zagueiro quando o Tonhão era o centro-avante do outro time; já fui suspenso no colégio por colocar bombinho no banheiro; arranquei dois sisos e fiz tratamento de canal; tive meu cabelo tosado e meu rosto maquiado quando entrei pra faculdade; já tomei pancada de militar na ditadura; tive que negociar com fornecedor tentando me passar a perna; tive que usar óculos normal, bifocal, multifocal e sei lá quantos focos mais; tenho duas pontes de safena; tive que fazer exame de toque retal por causa da próstata e só pra descobrir que estava tudo bem... Já paguei minha cota, não paguei? Então...”

– ...por que eu?! – esta última parte ele deixou escapar em voz alta.

– Mas o que é que tem? Não é nada de mais. Tanta gente faz, olha só aqui em volta. Um monte de gente.

– Mas Maria... eu não sou dessas coisas, não. No meu tempo–

– Seu tempo é o meu tempo também, esqueceu? Isso não é desculpa. Além do mais, não é você mesmo que vive dizendo que idade não tem nada a ver, que velho é a vovozinha?

– Mas...

– Não, sem “mas”. Coragem, homem, experimenta.

Ele desistiu de tentar argumentar. Não tinha vencido uma discussão em seis décadas, não seria aquela nem naquele momento. Olhou mais uma vez, mas logo desviou o rosto.

– Preciso mesmo?

Ela não falou nada.

– Esse aqui? – ele apontou.

– Pode ser. Mas já que é um sacrifício tãaao grande assim, tenta esse, acho que vai gostar mais.

Resignado, fechou os olhos e começou a rezar. E foi assim que Seu Antero, pela primeira e última vez, comeu – e não gostou – o tal do sushi.