A CIDADE ENGOLE
Tiago Velasco
 
 
Quando eu cheguei, ainda de manhã, confesso, tremi. Era um sonho estar lá. Mas o frio, a fumaça, os arranha-céus e aquela cor ocre encardida pareciam dizer: “Afastem-se daqui!” Talvez eu tenha criado isso. Medo. E vergonha. Recalquei minha fragilidade. Um menino que mal balbuciava as palavras, perdido em uma cidade hostil. Eu não conseguia falar e nem ter motivos para tirar fotografias. Angústia. Foi só o ônibus sair do aeroporto em direção ao centro.

Não estava só. Estava com a minha namorada. Sentia que deveria protegê-la. Mas eu era incapaz de manter o equilíbrio sobre minhas pernas trêmulas. Um fracote. No DDI, chorei. Tentei que não percebessem o meu desespero. “Sim, estou adorando. Aqui é maravilhoso.” O nervosismo me levou a esquecer documentos e cartão de crédito no Brasil. E eu ficaria lá, pelo menos, quatro meses.

Mochilas guardadas no quarto múltiplo do albergue. O meu cantinho particular era dividido com mais cinco pessoas desconhecidas. Casacos enormes espalhados. Gorros, luvas, passaportes. Ouvi dizer que ia nevar no dia seguinte. No folheto distribuído no alojamento, um alerta para ter cuidado ao passear em torno do albergue. A notícia que faltava.

Não tinha sol. A previsão acertara. Uma neve fina formava uma película escorregadia sobre o chão. Os flocos brancos acentuavam a melancolia daquela cidade. Nas esquinas, alguns grupos de pessoas. A ignorância sobre o novo ambiente assustava. O dinheiro, aos poucos, desaparecia. Precisava arrumar emprego, mas a letargia e apatia tomaram o meu corpo e mente. Poder de decisão: zero. Sentia-me como um tronco carregado pelo rio selvagem. Ou como aquela folha seca de outono que, ao se desprender da árvore, flana pelo ar sem controlar o próprio rumo.

Imagens recorrentes no imaginário popular. Os clichês, nessas horas, servem muito bem. Parecem reflexões profundas. Talvez seja a dificuldade de concatenar certas idéias que nos faz recorrer ao simplismo do lugar-comum. Ou, quem sabe?, seja a eficiência deles para ilustrar sentimentos nem tão fáceis de ser expressados em palavras.

Então, eu estava lá. Sozinho no meio de tanta gente com pensamentos distantes. Com o rabo entre as pernas, eu olhava os nativos de cabeça baixa. Um subdesenvolvido subserviente frente ao opressor que, na maioria das vezes, nem percebia sua condição superior. Eu me subjugava. Era como se a auto-estima deles se elevasse na proporção inversa à minha.

Numa caminhada por umas fatias de pizza, um bêbado atravessou o meu caminho. Parecia perceber o meu sofrimento de criança indefesa. Olhando nos meus olhos, embora trôpego, falou com sua voz etílica e pronúncia arrastada: “This is Nu York, man!”
Era isso o que eu temia. E ainda estava na primeira semana.