LICANTROPIA
Tatiana Alves
 
 

Era noite de lua cheia. A madrugada apenas começava, e ela sabia ser mais uma daquelas noites terríveis, em que o sono somente viria ao clarear do horizonte. Não, não era uma insônia decorrente de depressão ou de ansiedade. Era mais um estado de alerta, como se algo assombroso viesse em seu encalço, e ela devesse manter-se em guarda a fim de se proteger.

Apesar – ou talvez por causa – do pavor que sentia, era obcecada por filmes de terror. Não esses estilo trash, que mais fazem rir do que arrepiam, mas aqueles profissionais, em que a expressão nos olhares ou as músicas têm o poder de trazer à tona os mais recônditos medos que povoam a alma humana. Assistia a cada filme apenas uma vez, por saber que grande parte do terror devia-se ao impacto produzido pela surpresa, algo impensável em uma reprise. Dos filmes de lobisomem e de vampiros, passara aos de magia negra e satanismo. Esses, talvez pela maior proximidade com o real, faziam-na temer andar pela casa à noite para pegar um copo d’água. Já os de múmia ou Frankenstein nunca a apavoraram de fato. Via-os desde criança, e ria diante daquela criatura enfaixada de quem todos corriam, e até se enternecia com o grotesco monstro criado pelo homem.

Com o passar do tempo, seus pavores intensificaram-se a tal ponto que os filmes, de resto mera ficção, não mais a assustavam. Quando isso ocorreu, passou aos livros, descobrindo que não são as imagens visuais que amedrontam, mas sim as mentais. Os livros davam-lhe a oportunidade de traduzir em imagens os seus maiores temores, e isso, sim, era estarrecedor.

Naquela noite ela estava especialmente apavorada. Apesar da necessidade que sentia da adrenalina trazida pelo pânico, não sabia ao certo como lidar com isso. O mínimo ruído trazia-lhe um sobressalto, e um calafrio perpassava-lhe o corpo. Fechava as janelas e trancava as portas, como se o sobrenatural pudesse ser detido por um ferrolho. Tomou um Lexotan, muito mais eficaz do que réstias de alho ou água- benta. Agora a madrugada já ia alta, e o luar banhava-lhe parcialmente o quarto. Resolveu, então, cerrar as cortinas para tentar dormir. Quando os raios lunares tocaram-lhe o braço, olhou a beleza da lua e num segundo teve a revelação que explicava seus temores. Uivou. Ela era um lobisomem.