MEU
ÚNICO MEDO
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Mairy
Sarmanho
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Não tenho medo de nada, a não ser da violência. A violência que encarcera, aprisiona, oprime, machuca, maltrata. Como o mundo seria melhor sem ela... Como seríamos mais justos, mais livres, mais humanos sem essa criatura horrenda! Mas não pensem que a violência está contida apenas nas armas. Não... A violência pior está nas palavras, nas letras, nas linhas e nas entrelinhas de tudo que nos cerca, do jornal ao livro, do e-mail ao caderno, da palavra de um vizinho ao comentário irônico de um colega de colégio. A violência pode estar contida na brincadeira de uma criança, que discrimina a outra por ser gorda, preta, baixinha ou alta demais. Pode estar no olhar crítico que alguém lança para o menino que gosta de brincar de bonecas ou para a menina que ama outra menina. Pode estar no fato de virar o rosto para não ver a criança deficiente ou para não ver o mendigo que nos implora apenas um olhar... A violência maior está nos pequenos atos. E nos grandes, também. Tenho medo de não conseguir encontrar mais a bondade, a humildade, o afeto, a abnegação, o carinho, a compreensão... Tenho medo de encontrar em todos os lugares apenas a crueldade prima-mãe da violência, criatura que habita o coração dos corpos humanos... Um dia, resgatei um cão que morria no centro de minha cidade. Morria de fome, de maltratos, de não olhar. Morria porque o dono o abandonou, porque os meninos o agrediram, porque as mulheres o ignoraram, porque a prefeitura não o protegeu. No olhar daquele cão encontrei tudo o que falta nos meus semelhantes: preocupação, gratidão, afeto, amor. Havia tanto disso naquele cachorro enorme, esquálido, faminto que me nutriu por quatro anos com seu carinho animal. Cuidei de suas feridas físicas e ele curou as minhas espirituais. Cuidei de sua alimentação e ele alimentou minha alma. Esse cão me ensinou que amor é sensibilidade, doação, despreendimento. Em quatro anos, ele que deveria ser uma fera, foi incapaz de rosnar para mim ou fazer qualquer outra ameaça. Durante quatro anos convivemos como amigos, tanto, que lhe dei o nome de Amigo Sorte. Essa semana tivemos de eutanaziar meu Amigo Sorte. Não suportei ver seu sofrimento quando a doença invadiu seu corpo e, apesar de todos os medicamentos e analgésicos, ainda sentia dor. Meu Amigo Sorte morreu tranquilo, em meus braços, sem um único gemido, confiante que faríamos o melhor por ele. E, infelizmente, o melhor foi a morte. Não havia violência naquele cão. Entretanto existe tanta violência em algumas pessoas que conheço. Tenho medo de perder a esperança. Mas, quando penso que tive um Amigo Sorte, esse medo se afasta e reacende a chama viva do amor porque a única forma de combater a violência é usando de todo amor disponível no mundo. Tomara que, um dia, os seres humanos consigam amar como um cão!... |
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