SE EU MORRESSE AMANHÃ
Luís Augusto Marcelino
 
 

Não vai sobrar muita coisa para a família. Alguns carnês, a dívida no boteco do Fumaça, o Monza 94 SL/E, minha coleção de tampinhas de refrigerante com as fotos dos craques da Seleção de 78, cinco latas de BRAHMA na geladeira (duas no congelador, o que vai fazer com que minha mulher fique puta da vida, porque ela detesta quando esqueço latas de cerveja no congelador), minha camisa 9 do Corinthians, meus livros do Verissimo, minhas revistas e o JT de Domingo, que ainda não deu tempo de jogar fora.

Por outro lado deixo o seguro de vida. Três seguros. Dois deles enfiados goela abaixo pelos gerentes de banco, para que eu pudesse contrair empréstimos. Meus filhos, tendentes a mexer em computadores, descobririam algumas coisas no HD do meu micro. Uns poemas que lhes dediquei – sem jamais divulgá-los para quem quer que seja - , crônicas, contos e romances inacabados e a planilha do orçamento mensal. Pelo menos saberiam o quanto tenho de rebolar para pagar as contas que eles gentilmente produzem a todo momento.

Essa idéia passou pela minha cabeça simplesmente porque estou com uma dor insuportável na unha do pé. Deve ser unha encravada, não importa. Dói pra diabo! E não tolero dor. E, quando penso em dor, penso também em morte. “Morro” de medo de morrer. E não adianta falarem que – quem sabe – eu tenha uma morte suave. Dormir vivo e acordar morto. Assim, como se não tivesse consciência de que estivesse morrendo. Isto não diminui minha paranóia.

Já pensou estar consciente que se está morto? Deve ser um horror... O corpo ali no caixão, repousando, sem se mexer. Os olhos da alma enxergando a tudo e a todos. A família, os amigos, os vizinhos que detestam quando você estaciona o carro em frente à garagem deles, o chefe que pensava em te demitir em dois meses, a sogra que sempre achou que você não valia nada. Todos chorando e ressaltando suas qualidades. “Esse é que era homem!” Será que enxergamos, depois de mortos, os vermes nos comerem, pedaço a pedaço? Jesus! Tremo só de pensar.

- Pagou o seguro? – perguntou a patroa.

- É débito automático.

Raquel nunca se preocupou com o pagamento do seguro. Será que estou tendo uma premonição?