O
DIA EM QUE A MORTE LHE ACENOU
|
Jorge
Gomes da Silva
|
Acabo
de passar uns minutos a ouvir uma daquelas histórias de vida
que nos deixam sem saber por onde pegar. Vinte
e cinco minutos de aflição a bordo de uma aeronave condenada.
Mães com crianças de colo, casais, tripulação,
pessoas que se viram forçadas a encarar a morte e a aguardá-la
no céu enquanto um homem desconhecido as conduzia ao seu destino
presumidamente fatal. Só um sobredotado conseguiria fazer aterrar o monstro de metal que planava sem motores. Todos a bordo o sabiam e a esperança era escassa, sobretudo quando o comandante informou que ia tentar uma aterragem de emergência no mar e recomendou a todos que vestissem os coletes salva-vidas. As hipóteses de sobrevivência nessas condições são quase nulas, como a história já provou. Mas
o piloto mudou de ideias, preferiu esgotar a única tentativa
em solo firme. À partida uma opção teoricamente
pior. Ele acreditou que não e apontou o avião para terra,
decidiu arriscar uma aterragem no sítio certo. E foi. O meu cliente, olhos esbugalhados enquanto me descrevia a cena, perdeu a fala e a audição, estado de choque, quando a quinhentos quilómetros por hora o avião embateu na pista perdendo de imediato os pneus que o trem de aterragem substituiu, rasgando o alcatrão até o enorme pássaro de ferro se imobilizar sem nenhuma vida perdida nessa hora de sorte sem paralelo. Esse homem que sirvo no âmbito das minhas funções contou-me a sua história inesquecível na sequência de uma conversa acerca da avioneta que ontem pregou um susto terrível aos nova-iorquinos e arrastou para a morte duas pessoas cuja sorte se esgotou. Esse homem, uma pessoa normal, contou-me tudo isto a poucas horas de seguir para o aeroporto da Portela, para mais um voo de cinco horas rumo a um destino qualquer. |