ESCURO
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Gustavo
Colombini
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Entreguei-me ao escuro. Quis desligar todos os meus sete preciosos sentidos. Talvez se a vida me fosse mais gentil, não chegaria a querer tal intento. Há alguns muitos anos atrás, senti uma dor diferente. Um novo estado afetivo que preferi esquecer. Lembro-me bem é da consciência do perigo. A ameaça que era pensar alto demais. Não somos erva daninha. Não fomos a praga que corroeu o raciocínio. Nossas virtudes ainda esperam para serem descobertas. Tivemos as veias expostas. As artérias pressionadas pelo fluido navegante que bloqueou nosso ar. Tivemos os ouvidos dilatados e os lábios costurados. Ouvir em demasiado para não ter nada a falar, disseram os soldados sem farda que quebraram nossos dez dedos com a força dos olhos. Só errou quem produziu. Mas, só produziu quem não teve medo de errar. As massas humanas mais perigosas foram aquelas em cujas veias foi injetado o veneno do medo. Do medo da mudança. E foi isso. Medo. Foi o nome que deram para o que me fascinava. E, então, eu corri. Avancei os limites dos limites e, mesmo em vão, não cheguei ao seu lugar. Fui a lugar nenhum, conhecer a sombra que debilita o bom senso. Não arranjaram nomes. Eles pensam em vossas insônias. Proclamam os nomes que darão. Proclamam as gramáticas que te assombrarão. Tive mais medo do medo do que da morte. Quando me vi patinando em gelo fino, minha única segurança era a velocidade. Foi por isso que corri. Sou criança para o que sei. Absolutamente tudo. Descobri todos os segredos do mundo. Desvendei todo mistério de Deus e do fogo. Abri os caminhos fechados. Decorei todas as palavras do mundo. Entendi todas as línguas, todos os gênios, toda luz. E contaria isso tudo ao mundo, mas tenho meus lábios costurados. E o castigo é essa luz que meus olhos são obrigados a ver. Ah! Luz! Não me falem dessa mais palavra sequer uma vez. É a realidade que me trouxe a inelegância; os homens podem perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz. E eu sentí-la ferindo-me. Pois, então, não olhem mais pra mim. Não relembrem minha história. Finalizo em queixa de nunca ter realmente vivido. Se funcionar como últimas palavras, balbucio: sim, entreguei-me ao escuro. |