INTERROMPIDO
Eduardo Prearo
 
 
O desejo frustrado ficou incomodando na barriga. Era estranho agora não ter mais muita coisa, somente algumas peças de roupa, sapatos, uma mala executiva contendo materiais de um trabalho informal, pílulas para dormir, produtos de beleza e celular. Fugir parecia covardia, mas Bud esquecera-se com algum esforço do que fugia. Alguém viria assustá-lo diante da recente ociocidade, ou não, simplesmente só dariam diretas ou indiretas. Não aprendia a ter segredos, mas mesmo quando os tinha, eram estuprados por uma coletividade mediúnica. Raiva de tudo, da vida breve, dos conselhos os mais absurdos, da insanidade imposta assassina da razão. O nível de auxílio ao próximo raramente é alto, e o porquê disso é um mistério. Bud não fora lúcido para resolver certas questões sempre aos olhos alheios facílimas. Em uma noite meio quente, antes da perda da consciência, estava descendo a Augusta até o centro, e funcionários de boates, desses que ficam nas entradas caçando clientes, tentavam em vão apanhá-lo. Sauna, chope e belas garotas, Bud não tinha curiosidadee para tais coisas, nem foi dizendo obrigado, obrigado... ... ...

Sim, mas antes de descer a Augusta perdidamente, Bud estava em uma festa. Ele era a fístula de Maria Negra, garota pelo qual era basilar apontar os penetras dos eventos. Naquela noite ela usava um cocar trazido de Paris, e nada é ridículo quando trazido de Paris, mas chique, chiquíssimo. Maria Negra era considerada uma mulher moderna, digna. Penetrava também, mas no recôndito da miséria alheia. Certamente tinha o agora planeta-anão, Plutão, bem–aspectado, pois investigava com brilho a vida dos que marcava a ferro e brasa. Todavia, mostrava-se mística, não querendo o mal de ninguém, imagine!, mas uma sociedade justa, ou seja, de pobres convivendo com pobres e ricos com ricos, a discriminação do bem. Bud sentia-se inferior a ela, mas na festa, não sem um certo temor, resolveu enfrentá-la... ...

– Então você é que é Maria Negra?

– Sim, e qual o problema?

– Você tem razão, sou errado, não devia estar aqui no meio de tantas celebridades. Sou bandido. Como defensora da elite você não está mal. Imagino-a em um oásis acorrentada entre duas árvores e nua.

– Se não sair dentro de dez minutos, chamo a polícia. Garanto que não tem um centavo no bolso.

– Não tenha tanta certeza. Um dia posso ser alguém.

– Mas nem em outra vida. Aliás, não acredito em outras vidas, falei por falar. Agora saia, aprenda a se pôr no seu lugar! E olhe que estou lhe ajudando, não prejudico, quero o bem de todo o mundo, sou solar.

– Bonita essa música que está tocando... Sexo e Luz. Sabe, Maria Negra, os ricos não parecem me olhar com estranheza. Talvez eu seja rico também porque não tenho um espírito pobre, como você talvez tenha. Pare, por favor, pare de tirar fotos de mim de seu celular. O quê faz você com elas?
Um dossiê?

– Envio-as para o FBI e também... bom, isso é segredo. Tenho o poder de destruir todos vocês, ah, se tenho. Vão todos apodrecer no pior dos infernos. Mas tomara que não, quero o bem de todos, sou boazinha. Agora dá o fora, o camburão está chegando, estão chegando...

– Seus dias não estão contados mais do que os meus. Se eu conseguir ir a Paris, sei que você irá atrás com sua gang.

– O senhor não sabe o que faz! Saia, perco meu precioso tempo me rebaixando. Tenho aliados fortíssimos e não é um fedelho afeminado que irá demolir toda minha reputação construída com muita humildade.

Bud não saiu, porém um dos capangas de Maria Negra o pôs para fora do evento aos tapas, mesmo o evento não sendo dela. Ventava. Bud andou pelas ruas confuso e embebedado, mas sem a populaça desconhecida para o atacar pois era madrugada. Não tinha de novo, como sempre, mais muita coisa. Esperou por um ônibus e nada. Sentou-se na sarjeta, mas logo surgiu um homem esfrangalhado dando-lhe chutes.

– Saia desse lugar, aí é meu território!

– A rua é pública, mas não vou brigar. Quer um abraço meu? Sabe, Maria Negra deve ter um bocado de tato, coisa que não tenho.

– Quem é essa puta? Tem muitos clientes, é gostosa?

– Tem pra lá de mil, mas não é uma galinha. Ela é uma mulher direita da sociedade, uma das principais defensoras dos direitos da elite em todos os mundos.

– Direito da sociedade? Que redundância! Me vê um cigarro.

– Não tenho. Sabe, sinto-me tão errado. Mas...qual o seu nome?

– Aneto. Você vai muito a festas?

– Sim.

– Com convite?

– Quase nunca.

– Espere. Vou tirar uma foto sua.

– Já sei. Para o FBI.

– Volte aqui, seu vagabundo.

Bud começou a correr sem parar. O indivíduo maltrapilho era um deles disfarçado. Onde estaria seguro, agora? Desceu a Augusta, tristonho. A vida continuava. Parou e olhou para seu reflexo no vidro de uma magazine. Coitado, notou algo que jamais notara nem em si e nem nos outros. Tinha dois braços e duas mãos a mais, porém infantis. Inconformado, começou a perceber essa "aberração" em todas as pessoas. E então desmaiou.