ESCONDE-APRENDE (MINI ENSAIO PESSOAL)
Bruno Pessa
 
 
- Um, dois, três, quatro...

Barulhos fortes de pegadas, crianças correndo pro fundo, cada vez mais distantes.

- Vinte e dois, vinte e três, vinte e quatro...

A gente se ajeitando na porção traseira do prédio, bem atrás dos carros e pilastras, em busca de proteção.

- Vinte e nove, trinta! Lá vou eu...

Silêncio. Até começarem os murmurinhos sobre as estratégias de cada um. Mas a princípio a primeira preocupação é buscar refúgio. Tranqüilidade distante do olhar inimigo. Descanso para a respiração ofegante. Toda criança descobre o seu limite, percebe de repente que está indo muito depressa. Ela pode não prever quando isso vai acontecer. Mas que percebe, mais cedo ou mais tarde, percebe sim. É preciso pensar, baixar a adrenalina e ser racional. Consultar o colega.

- Por onde você vai?

- Ali, atrás da camionete. Ele não vai me ver.

A escolha é boa. Porém é arriscado ir em dupla, aumenta a dificuldade para se esconder e a possibilidade de conversar e ser descoberto. O medo de ser descoberto: é a tensão do esconde-esconde. A chance de ser surpreendido a cada movimento, como acontece quando a gente pega o brigadeiro antes do parabéns, com receio de algum adulto descobrir. O limite tênue entre passar ileso e ver tudo por água abaixo. No esconde-esconde, você se sente meio ladrão que foge da polícia. Você não fez nada de errado, mas o contexto te coloca na pele do foragido. Sem querer querendo, você aprende a se portar como um gatuno, um larápio que some no meio da escuridão. Será que isso vai te encorajar a roubar de verdade? Nunca pensei em roubar. Acho que não tenho coragem. Também nunca precisei de verdade.

O caminho a seguir foi escolhido, e a turma se espalha. É cada um por si. Um pouco como vai sendo a vida pra gente. Uns aprendem antes, pois começam a se virar sozinhos mais cedo. Outros demoram a superar as amarras familiares. Eu me encaixo mais no segundo grupo, e isso dificulta a tomada de decisão que é crucial no esconde-esconde. Nada contra meus pais e os cuidados que eles têm por mim. Mas se eu fosse mais solto no mundo, caso eles desencanassem mais, acho que estaria mais bem preparado para situações como essa.

Léo teve de largar o pique pra ir atrás do pessoal. Difícil a situação de quem bate cara. Se a galera não aparece, você tem que ir atrás, fazer sua opção na roleta russa. E aí não tem jeito, você acaba abrindo mão de algum lado e deixa o pique desguarnecido. Dependendo da escolha, o resultado pode ser fatal.

- Um-dois-três Gustavo!, gritou Gustavo.

- Um-dois-três Haroldo!, repetiu Haroldo.

Não disse? O Léo saiu pela direita e comeu duas moscas pela esquerda. Acho que ele vai voltar. Então vou pela direita dele. Começo a correr, na ânsia de chegar escondido. Por um momento, esqueço que sou uma criança que costuma brincar livre e destemidamente. Não dá certo.

- Um-dois-três Bruno!, berra Léo.