4 CARALHOS
Luciana Priosta
 
 

Abri a porta e senti o “cheirinho de casa limpa” que prometem os comerciais de produtos de limpeza na televisão. Não consegui ver se o cheiro estava de acordo com a casa, pois mal bati a mão no interruptor escutei o “puf” e nada de luz. Estava cansada, gripada e enjoada e soltei um “caralho” com o “a” beeeeeem aberto, daqueles que enchem a boca, com perdão pelo trocadilho infame.

Andei as cegas pela sala, não sem antes tropeçar em duas cadeiras e bater a cabeça no batente da porta. Soltei mais um “caralho” e fui em frente. Para quem não sabe, achei que hoje o dia amanheceu tão lindo que merecia ser passado no PA tomando um sorinho “levanta defunto que amanhã tem que trabalhar!”. Somatização. Assim falou Cristiane. Minha terapeuta. Nota mental: lembrar de matar minha terapeuta.

Tentei acender a luz do corredor e fui obrigada a mais um “caralho”. Puf. Nada. Mas será o Benedito ou o irmão dele? Consegui chegar ao quarto e jogar a bolsa em cima da cama e escutei um “huf” meio estranho. A luz acendeu.

- Nó! Que você está fazendo aí sentado feito assombração?

- Vim te ver.

- Ei! Como você entrou na minha casa?

- Entrando.

- Vai, vai levantando e tira o sapato do lençol!

- Pronto, pronto...

- Como você veio parar aqui? Como entrou?

- Na verdade eu não estou aqui.

- Como não! Eu to te vendo aí!

- Mas não estou. Ainda estou trabalhando. Liga lá pra ver.

- Ta me tirando...

- Sério! Liga lá!

- Ah, não enche...

- To falando. Vai, vem aqui. Isso. Pega o telefone.

- Mas to te vendo aqui criatura, quer me deixar doida?

- Liga. Vai, anda

- ...

- Vai, porra!

- Alo? Quem ta falando? A claro, claro, se eu liguei pro seu celular. É, pois é. Ããã... e aí beleza? Não, nada não. Você ta trabalhando? Então, não quero atrapalhar. Não, nada não. Nada mesmo. Sério. É. Ok. Certo. Te amo. Como? Não, eu disse tchau. Até mais.

- Viu?

- Mas... é que... caralho!

- Só vim te ver. Tem se escondido ultimamente. Anda fugindo de mim.

- É eu sei...

- Agora vou indo.

- É eu sei...

- E vai lavar aquela louça que a pia está cheia de formigas.

- É, eu sei...

Segurou-me pelo pescoço e me deu o beijo mais delirante que jamais fui capaz de desejar e me deixou plantada no meio do quarto assistindo sem reação ele atravessar a parede em direção à rua.