ARTIMANHAS DO DESEJO
José Luís Nóbrega
 
 

Ficava ali deitado, sem roupas, as mãos amarradas para trás, venda a tapar os olhos. Não sabia onde estava. Perdera a noção de quantos dias já havia sido seqüestrado. Levantara da cama uma ocasião, mas com a venda nos olhos sentiu medo, medo do escuro, medo do nada, do desconhecido, voltando-se logo àquele fino colchão que parecia não mais suportar o peso de um corpo inerte por dias a fio.

Duas vezes ao dia uma comida fria e sem gosto era servida. Uma mulher chegava, sentava-se ao lado da cama e emburrava com violência aquilo que não serviria de alimento nem mesmo a um cão. Ela enfiava o garfo pela boca do seqüestrado, perpetrando-lhe ameaças, afirmando que se o resgate não fosse pago, aquela seria sua última refeição. Ameaças vindas de uma voz fria, o garfo frio, a comida fria, um quarto frio... A fria esperança se esvaindo...

Depois de alguns dias a voz fria que ameaçava, aos ouvidos do ameaçado, já não ameaçava tanto. A responsável pelo cativeiro não mais se sentava ao lado de sua vítima para servi-lo. Ajoelhava-se aos pés do encarcerado, escutava-se então um ruído, como que uma saia jeans sendo levantada. Depois ela ia roçando as pernas junto às pernas dele, empurrando o prato frio pelo corpo de sua vítima, que chegava a se arrepiar de tanto pavor. Deslizado o prato até o peito do apavorado e desnudo homem, com as coxas a prendê-lo pela cintura, iniciava-se sua alimentação. Nessas ocasiões a comida também não mais se servia fria. Estava sempre quente. A mulher chegava a soltar pequenos sopros em direção ao garfo para esfriar o alimento. Aquele ar quente na face fria do seqüestrado causava-lhe estranhas reações. Havia o medo da morte, do desconhecido, mas também aquele sopro quente o perturbava, pra não dizer, o excitava...

As palavras, não mais em tom ameaçador, eram ditas ao pé do ouvido, excitando o pobre ainda mais. A mão quente da mulher limpava-lhe a boca com delicadeza ao final das refeições. Quando desses atos, ela soltava pequenos gemidos que eram abafados, talvez, pela própria mão que há instantes percorrera outros lábios. Ele não gemia, mas tremia, agora não mais de medo, mas de prazer por toda aquela volúpia ameaçadora e proibida.

Um dia (ou quem sabe uma noite) a mulher de saia (?) e gemidos contidos se aproximou. Ele pôde então sentir o outro corpo ainda mais quente. Um corpo recém-saído do banho. O prato frio não se apresentou para deslizar junto ao despido corpo. O mesmo ruído da saia (ou vestido?) sendo levantada... Veio então ela subindo, se esfregando ao corpo dele. Por fim as cochas apertaram pela cintura aquele ser sem roupas estendido na cama, fazendo-o se contorcer para cima e para baixo, tentando se livrar das amarras que ainda prendiam-lhe as mãos...

Ela o detém, apertando ainda mais as coxas quentes numa cintura que parece estar em brasas. Ele pára de se debater e se entrega àqueles vorazes lábios. Enquanto se beijam, as gotas dos longos cabelos caem pelo rosto de um homem mais que indefeso, ainda perdido na escuridão de uma venda. Ele sente o cheiro doce de xampu a exalar pelo ar de um quarto fechado...

O estrondo da porta sendo arrombada... Os lábios ainda se perdem num demorado beijo... Vozes que adentram o quarto... Uma última gota cai no rosto vendado... Armas sendo disparadas... A coxa da seqüestradora se desprende da cintura de sua vítima... Gritos, euforia... Ele procura no ar pelos lábios que se foram... Alguém o desamarra... Ele mesmo retira a venda que lhe cobria os olhos... Aos poucos a visão vai se anunciando... Vê de maneira ainda turvejante uma jovem mulher, ensangüentada, estendida no chão... Os policiais ao fundo comemoram o sucesso da missão...

- Assassinos! Assassinos! – repete o também jovem homem, aos prantos, segurando contra o peito a cabeça da mulher já sem vida. Os policiais, sem entender aquela inesperada cena, vão se retirando aos poucos, em silêncio, com as armas... ainda em punho...