GRAUS DE PECADO
Eduardo Prearo
 
 
Peter chegou ao psicanalista com atraso, mas mesmo assim Dr. Antonio o atendeu. As paredes do consultório eram cor-de-rosa e o divã azul-turquesa; tudo muito novo, tudo muito limpo. Peter era paciente de meia-idade, incorfomado com a calvíce cada vez mais salientada e também com o vício cristalizado. O cigarro era-lhe inadmissível, porém fumava, fumava escondido e o vício fora exposto pela mulher com quem ele dividia o apartamento na 23 de Maio. Estava, então, aturdido...ou então louco.

–– Dr. Antonio, estou decepcionado comigo mesmo e também arrependido. Essa mulher com quem moro resolveu apontar meus defeitos ou então minhas más escolhas para a pessoa que aluga o apê para nós dois.

–– Por que não se muda?

–– Porque o contrato, que apesar de ser de gaveta, está em meu nome.

–– Ponha a cristã para fora.

–– É isso o que muita gente diz. Mas ela é protegida pelo irmão que é amigo do rapaz que foi para Lyon e que antes residia no apê, o Carl. Carl me disse para eu ir morar no lugar com a moça irmã do amigo dele. E como eu queria conforto, aceitei.

–– Essa moça tem que idade?

–– Trintona. A patroa dela comparou-a à Virgem Maria, de tão inocente, tão casta, tão pura. Mas, devo ser doente mesmo, há alguma coisa de errado nela. Sinto-me criança e sei que vou sair perdendo. Já não basta uma populaça desconhecida que me persegue pela eternidade! Bete talvez trabalhe para essa populaça.

–– Quem é Bete?

–– É a trintona que mora comigo. Que morava Dr. Antonio. A verdade é que saí de lá ontem, depois de uma reunião que houve para ver quem ficava ou quem saia. Resolvi sair, ir para um hotel enquanto a menina e a patroa se decidem se vão pagar três meses de aluguel e arrumar um fiador. Deram uma semana de prazo a elas.

–– E Bete está bem com a consciência?

–– Diz que não aconteceu nada; enfim, não entende por que fui entrar nessa irritação. Está perplexa. Como vês, é santidade.

–– E no hotel, tudo bem?

–– Sumiram com minha agenda, e se eu for reclamar, obviamente irão dizer "cuide melhor de suas coisas", como já me disseram quando estive outra vez nesse mesmo hotel e perdi um relógio.

–– Está chateado.

–– Não. Apenas sei que a miséria me persegue nesta cidade, e a que as pessoas aqui são...... inocentemente espertas.

–– Já se apaixonou por alguém, Peter.

–– Sim, mas me apaixonei no fim de uma relação, quando a pessoa me deu o chute. Queria ter trocado a repulsa do início pela pãixão do final. A pessoa no fim me viu como uma mau-caráter, um baiano. E chutou. Se eu tivesse um corpo mais definido... talvez... era bom, mas acho que me tornaria até um putinho, desculpe a expressão.

–– Putinho!

–– A maioria dos homens com corpo definido são putinhos nesta cidade, Dr. Mas isso não é óbvio. J., essa minha ex-paixão ou sei lá o quê, já me dizia que não percebo as obviedades da vida.
Acho que é porque estou na primeira encarnação. Disseram-me que estou na primeira, que tenho muito o que aprender.

–– Não há como voltar a morar com a menina ou então voltar a namorar J.?

–– Com a menina talvez eu volte a morar, visto que a patroa dela talvez não arrume fiador em uma semana e eu tenha que pagar o aluguel. Sendo que prevejo então que Bete irá pedir pra ficar. Mas como a miséria me ronda, acabarei na merda, como sempre.

–– E com J.

–– Dr. Antonio, não tenho diploma universitário pra ficar de namoro com quem cheira cocaína, essa é a verdade. E sou baiano. Agora, para sempre careca, ninguém vai olhar mais pra mim. Nem me recuperarei da esquizofrenia.

–– Peter, ficamos hoje por aqui.

Peter saiu do psicanalista sentindo-se um louco. Acendeu um cigarro e pensou no cais. Havia um navio partindo hoje, mas e a coragem para arriscar? Já estava velho e seu destino era permanecer na cidade dos inocentemente espertos. Como saberia se havia pecado muito ou pouco?