ELIZETE
Doca Ramos Mello
 
 

Com o caritó praticamente instalado, Elizete deu para ter umas paixões ardentes, dessas que transtornam a vida das pessoas, afinal sempre teve sonhos de casos amorosos mirabolantes, em especial no que tangia ao príncipe encantado – era uma mulher do tempo dos príncipes, acreditava piamente nos romances de folhetim, achava-se bem no papel de heroína.

Pois Elizete, não se sabe por que nem como, um dia chegou em casa dizendo que conhecera o xeque Allih Alllah Saiprahllah e com ele enveredou por um romance das Arábias. Turbulenta, a história de amor tinha ciúmes arábicos, ameaças variadas, segredos de alcova e o Corão para ser rezado diariamente...

A bem da verdade, ressalte-se o caráter estranho do romance em pauta, até porque apesar do enlevo da moça já nem assim tão moça e sua reclusão por conta, segundo ela, da insegurança do amado que exigia decoro total e fidelidade até nos pensamentos, ninguém conseguia deitar os olhos sobre seu grande amor árabe. Elizete dizia-o tímido, encolhido debaixo do tuaregue, reservadíssimo. “Coisa de religião, coisa de tradição oriental”, explicava. Ela, por sua vez, converteu-se ao islamismo, ainda que confessasse para os mais íntimos que não entendia bulhufas do que fosse o islamismo, pensava até que tivesse algo com ser vegetariano ou torcer pelo Fluminense – Elizete sempre foi meio simplória, digamos.

Pouco depois do início do tal caso de amor, Elizete apareceu no meio das amigas trajando uma burka. Roxa, de tecido grosso, cobria seu corpo até os pés, o rosto inteiramente vedado e os olhos por trás daqueles furinhos. “Vejo vocês todas meio quadradas”, dizia, acompanhando a fala com algo em torno de ‘salamaleque’ ou coisa que o valha. Também deu para comer quibe e adotar uns trejeitos que beiravam o trimilique, muito esquisito mesmo de se ver, mas todo mundo já estava meio habituado às suas esquisitices, ninguém deu muita importância aos trejeitos inexplicáveis. Não levava o menor jeito, mas ensaiava a dança do ventre ao som de um CD de música árabe comprado no camelô da 25 de março. Era uma coisa muito feia de se ver, pobrezinha, os bofes para fora, as ancas sacolejando loucamente fora do ritmo, triste espetáculo.

Mas Elizete era toda uma esquisitice só, ninguém levou muito a sério, até que o jornal veio com uma notícia sobre o xeque, que ficara mil vezes mais rico, graças à morte providencial de um tio ancião e bilionário possuidor de poços de petróleo, e anunciava seu casamento com uma prima iraniana afastada. Elizete ficou verde debaixo da burka, mas não quis falar nada, alegando ‘foro íntimo’. Entretanto, caiu de cama com uma febre altíssima e crises de choro convulsivo. “Esta paixão vai me matar”, dizia lavando-se em lágrimas grossas. Houve quem pensasse em perguntar para ela se não queria que o xeque fosse contatado, mas como absolutamente ninguém levasse a menor fé na existência real do relacionamento, ficou o dito pelo não-dito e optou-se por um providencial comprimido de AAS, vitamina C e cama.

Depois desse episódio, aos poucos Elizete foi abandonando a burka, com cujo tecido fez um roupão do tipo quimono, tão logo começou a dizer que um amor se curava com outro amor e que encontrara, definitivamente, sua cara-metade. Um japonês armador, proprietário de navios. Petroleiros, claro. Elizete tem paixão por petróleo... E está fazendo um curso de sushi e sashimi particular, apesar de, mais uma vez, ninguém conseguir ver o tal japonês, mas Elizete confidencia aos mais próximos que o moço é muito reservado, coisa da raça mesmo. De vez em quando, ela recebe uns telefonemas, vira os olhos em êxtase, pede licença e se tranca no banheiro, onde fala baixinho ao telefone, e só sai de lá com uns passinhos apertados, como se tivesse as pernas presas, dizendo saionará, saionará...