CRÔNICA
DE AEROPORTO
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Victor
Loureiro
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Aeroportos são algo mágico. Aquele monte de gente chegando e partindo, pequenas despedidas e reencontros, beijos de adeus e abraços matando longas saudades. E ele ali, sozinho, esperando a hora do embarque: já se despediu de todos, não havia ninguém que pudesse sentir tanto a sua falta a ponto de alongar sua companhia um pouco mais, uns minutos mais, antes de o avião fechar as portas com ele lá dentro. Cinqüenta minutos são muito tempo, tempo demais para esperar, tempo de menos para fazer qualquer outra coisa. Então ele anda. Primeiro, passos rápidos e decididos, no instante em que coincidentemente toca uma música com som de jazz e levada de roquenrol, e ele se imagina nos créditos iniciais de um filme independente. Acalma os passos, pensa em descobrir que música era aquela, mas ela pára estranhamente, era apenas uma vinheta. Entra numa loja uma mulher linda, absolutamente maravilhosa - é o que ele imagina, vendo-a apenas de costas. Naturalmente, não cogita falar com ela, afinal, não sabe se ela vai ou vem. Mas não faz mal, quando ela se virasse provavelmente seria casada. Ou feia. Ou ele mesmo é que se acharia feio. Ainda bem que ele está no aeroporto e não sabe se ela vai ou vem. Mas tem outra, essa ele vê de frente. É loira também, como a de antes. Não que isso tenha alguma coisa a ver, mas, talvez, se elas não fossem loiras, ele não tivesse reparado. Esta é bonita, indiscutivelmente bonita. E está indo, ele sabe que está, viu seu cartão de embarque. Mas ela é muito mais bonita e se veste muito melhor que ele. É um verdadeiro avião. Bem apropriado. Faltam trinta minutos ainda e ele tem fome, porque a última coisa que comeu foi um chocolate às três e pouco da manhã. Tem fome e tem algum dinheiro no bolso, o que é bom: tem algum dinheiro no bolso, e terá longas horas de espera no outro aeroporto, antes do próximo vôo. Melhor guardar. Descobre, finalmente, de onde vem a vinheta jazz-roquenrol. Da televisão, junto com a foto de um político e alguma notícia sobre ele. Talvez ele tenha morrido, mas isso não importa, não dá para saber que música é. Provavelmente ele nunca vai saber, que se contente em ouvir alguns segundos apenas. O que ele queria mesmo é voltar para casa. Tem tanta coisa que poderia fazer sem viajar. Poderia, por exemplo, se desculpar com a namorada com quem brigou a noite passada bom, isso se ele tivesse uma namorada. Talvez pudesse, então, correr atrás de uma garota por quem recentemente se descobriu apaixonado, fazer qualquer coisa para conquistá-la, mesmo sabendo que é uma causa perdida. Ele já foi bom nisso, bom de verdade, talvez tenha sido o melhor nisso em toda a História. Mas isso é passado, agora ele não passa de um babaca bonzinho, com algum dinheiro no bolso e quase nada para fazer até a hora do embarque. Outra. Loira também. O que há com elas?, ele pensa. Essa só deu para ver de lado e de costas, mas ele jura que ela é linda também de frente - e, se não for, não importa, porque os outros ângulos compensam. Ir atrás dela? Ela está cercada do que parece ser a família, talvez seja muito nova, talvez seja comprometida, talvez ele seja um idiota que tem medo de conquistar a garota por quem se descobriu apaixonado, talvez todas essas coisas. Mesmo assim, vai atrás dela. Da terceira loira, não da garota. Mas ela sumiu, deve ter ido ao portão, ao avião, ao inferno. Agora que ele sabe de onde vem a música da televisão logo atrás -, já começa a achá-la chata. Tem mais graça quando se está caminhando com passos rápidos e decididos e se sente nos créditos de um filme independente. Começa um clipe, uma música inteira, nada de vinhetas. É boa, seu melhor amigo já falou daquela banda, mas ele não deu muitos ouvidos. Enquanto isso, a moça mais ou menos famosa e completamente insuportável da tevê está quase de frente para ele e dá uma espiada de vez em quando - isso o incomoda, porque não gosta dela, do programa dela, nem de qualquer pessoa que fique dando espiadas de vez em quando. Quinze minutos agora e tem uma fila na entrada para o saguão, então ele vai um pouco mais cedo do que havia planejado. Bom dia sem resposta ao cara que confere o cartão de embarque. Um corredor longo, o aeroporto cresceu desde sua última visita. Coloca a mochila na esteira do raio-X e entrega o celular à moça esperando que ela não o passe pela máquina também mas, é claro, ela passa, e ele se pergunta por que não podia tê-lo deixado no seu bolso mesmo. Alguém por acaso já seqüestrou um avião com uma bomba num telefone? Portão 3, é o dele. Não tem lugar para sentar, um só, entre dois sujeitos enormes e com bolsas de mão igualmente gigantescas. Dá uma volta pelo saguão, que é circular, vai passando por cada portão, quem sabe procurando uma das loiras? Num dos portões, a segunda loira, a que ele viu por todos os ângulos e que é um avião. Nada das outras duas. Tchau. De volta ao seu portão, há um assento livre e sem sujeitos gordos ao lado. Alguém esqueceu uma bolsa feminina no raio-X, avisa o alto-falante. Ele não consegue imaginar uma mulher que não se dê conta de que esqueceu a bolsa, mas aquela esqueceu. E por que não abriram a bolsa para pegar um documento e chamar a dona pelo nome, isso escapa à sua compreensão? Seria a dona da bolsa loira também? Será que ela embarcou sem a bolsa? E agora?! Seu avião, diz o monitor, vai para Navegantes, que ele nem imagina onde fica. Antes, vai parar em São Paulo e Joinville. Se ele não tivesse que pegar outro vôo, seguiria até Joinvile, que é cheia de loiras com quem não falar. Pelo menos o horário está confirmado. Surge outra garota. Essa não é loira. Também não é aquela por quem ele se recentemente se descobriu apaixonado. Mas chama sua atenção. Ela parece bem nova e é absolutamente linda. Parece nova demais, parece uma menina. Ela não parece ninguém. Ela se parece assustadoramente com aquela que seria sua esposa se ele fosse mais bonito e menos babaca. Alguém mexe no portão e logo se forma uma fila. Ele vai junto, três pessoas o separam da menina linda. Ela cruza uns olhares com ele, nada mais, nada de mais. Ele vê que a família dela são quatro e sabe que o avião tem grupos de no máximo três assentos. Começa a pensar na possibilidade de ela se sentar separada deles e, sorte maior, ao seu lado. Mas nada disso vai acontecer, porque o mundo não costuma ser assim bom assim com ele. Mais de dez minutos na fila, em pé, e o horário confirmado já não vale mais um tostão. Mais de dez minutos olhando a menina com toda discrição. Ela, talvez outros dois olhares cruzados, nada mais e nada de mais. Chamam idosos, gestantes, deficientes e crianças primeiro. Depois a menina bonita, depois os outros, depois ele. Bom dia ao cara que pega a passagem. 20L, corredor. |
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