VIAGEM SEM O EGO
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Leila de Barros
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Andamos assim tão anuviados e com o semblante chuvoso. Plantamos nuvens e colhemos granizo e gafanhotos em bandos. Os desfiladeiros pedregosos andam arranhando os pássaros de nossas gargantas. Caminhamos emudecidos, pardos de saudade e sem esperança. Nossos rostos andam descorados e os lábios sem o batom rubro. Temos adorado, em altares ilícitos, nossos próprios espelhos o principado do Ego. A única trilha que conhecemos é a da viagem egóica. Não descobrimos mais segredos guardados em papel de seda cor de violeta. Nem comemos brigadeiro nas festas ou balas de coco. Vestimos ternos cinzentos e as gravatas sufocam nossas metáforas e poesias. Não fazemos mais viagens bucólicas para sentir o cheiro do mato recém-molhado. Por isso hoje, tirei da gaveta as passagens de trem, o vestido leve e abri o armário para procurar o chapéu de praia. Quero escutar o compasso ritmado do trem, percorrendo lentamente a serra do mar. Desejo sentir novamente o sabor de viajar sem calendário. Desnuda na alma, camuflada de vaga-lume, para acender as trilhas serranas no meio da noite, que se perde entre as encostas. Vou levar merenda embrulhada com um guardanapo xadrez, mordiscar uma pêra suculenta e me deixar adormecer chacoalhando levemente no balanço do trem. Andei construindo uma estrada de ferro que me valesse nessas horas de desassossego. Mas hoje eu só me detive a contemplá-la, dei um tempo às ferramentas e às demolições. Quero viajar em um ato simples e hedonista, só uma mochila. Soltar os pássaros, os cabelos e os radicais livres. Carpe Diem! |