TRIP
|
||
Francisco
Pascoal Pinto de Magalhães
|
||
Quando chegou, não obstante faltasse quinze minutos para o show começar, a fila já dobrava o quarteirão. E, como sempre acontecia nessas ocasiões, quando tinha submeter-se ao doloroso ato de esperar, Ruan foi tomado por um estado de ansiedade que já se incorporara a contragosto à sua confusa personalidade. Em curtos surtos de impaciência, visivelmente incomodado, alternou a consulta ao relógio de pulso com o tique de coçar o lóbulo esquerdo onde pendia um brinco de prata barata e cometeu a tolice de se concentrar na tatuagem em forma de alvo na nuca propositadamente desnuda da garota à sua frente. Foi quando sentiu a cabeça girar, como a terra, em torno de si própria e desequilibrado tropeçou nos pés onde se formava um espiral sem fundo. Caiu dentro dele de corpo inteiro. E deste modo viajou, pela primeira vez em anos, sem o estímulo químico de qualquer substância. Galáxias adiante um cambista mameluco ousou aproximar-se, discreto e oportuno, para fazer-lhe uma oferta; mas ao ser posto em confronto direto com aqueles olhos opacos envoltos em leitosa membrana qual ovos sem calcificação, preferiu afastar-se proferindo esconjuros. Sim, Ruan estava ali. Me era como se não estivesse. Disputava um rali pelas estrelas esquivando-se de imprevisíveis buracos negros e corpos celestes . Na terra, a fila, sinuosa, andou um pouco e ele, passos mecânicos de zumbi, a seguiu. Só ao vibrar dos primeiros acordes das guitarras ciganas é que seus dedos, ossudos artelhos, fixaram-se nas bordas oxidadas do que podia ser o corrimão de uma escada para o céu, e ele, lívido, aterrissou no Campo de Marte, onde rolava o show. |
||