MUAMBA NA BAGAGEM
Claudia Sanzone
 
 

Quem tem parentes residentes no exterior sabe como se sente uma pessoa pouco antes de embarcar para ir ao encontro dos entes distantes. Pois bem. Dona Adelaide estava terminando de aprontar suas bagagens. Mulher simples, brasileira, beirando os sessenta, divertida e voltada aos afazeres domésticos, a referida senhora viajaria aos Estados Unidos com a missão pesarosa de visitar uma cunhada com câncer, já em estado terminal. Mas também reencontraria seu filho, que morava há dez anos perto da tia, agora enferma, e gozava de boa saúde, graças a Deus.

Naquela bagagem havia dois objetos curiosos e proibidos. Um deles era uma samambaia, que seguiria cuidadosamente embalada e acomodada em garrafa plástica, tendo em suas raízes uma folha de jornal umedecida, com o propósito de evitar a desidratação da planta durante o translado. Encomenda do filho. O outro objeto era uma guloseima erótica, um artigo sexual em formato fálico e feito do cacau, um membro sexual masculino alimentício... Resumindo: um peru de chocolate. Essa iguaria era uma surpresinha destinada à parenta doente e bem-humorada, que neste estado de espírito se mantinha, inclusive nessa fase difícil por que passava.

Como é de conhecimento público, não se permite o transporte de alimentos nem de seres vivos sem o conhecimento e a prévia autorização do Ministério da Agricultura. Portanto, Dona Adelaide iria infringir duplamente as leis sanitárias e carregar clandestinamente os dois itens em questão. Parentes e amigos foram cúmplices e participativos nessa empreitada. Cada um palpitava com idéias mirabolantes para camuflar e conservar os objetos. Fundamental que ambos chegassem despercebidos e íntegros a seus destinos.

Decidiu-se que o pênis comestível seria embalado em papel laminado e que iria acomodado por cima da samambaia engarrafada. A muamba seguiria na mala de mão, pois levantaria menos suspeitas, segundo os “experts” colaboradores transgressores.

Tudo pronto e se aproximava a hora do embarque. Por umas duas vezes Dona Adelaide pensou se valeria a pena correr o risco. Mas a dúvida não passou do pensamento. Em momento algum cogitou verdadeiramente em se desfazer das mercadorias ilícitas.

No aeroporto, a simpática senhora fez o “check-in” e então se dirigiu à alfândega, onde suas bagagens pessoais seriam eventualmente inspecionadas. Contudo, a maleta portátil passaria obrigatoriamente por um aparelho de raios X. No nervosismo da iminência de decolagem aliado à consciência da prática de um ato ilegal, Dona Adelaide só pensava no raio da samambaia.

Quando a bagagem passou pelo detector de metais, o agente aduaneiro franziu o sobrolho e se aproximou da tela do aparelho a sua frente. Delineava-se naquele monitor uma silhueta insólita. Algo em formato de Torre de Pizza, um tanto inclinado, tinha em sua base duas pelotas, uma ao lado da outra.

Dona Adelaide tentou a todo custo disfarçar seu medo, mas seus olhos arregalados denunciavam que ela nem atentara ao fato de que o revestimento metálico utilizado na guloseima seria imediatamente delatado por aquele famigerado aparelho. Um calafrio indescritível subiu pela espinha da passageira no exato momento em que o funcionário encarregado daquela inspeção determinou que abririam a maleta.

Muda, Dona Adelaide apenas consentiu com a cabeça e conservava, por incrível que pareça, sua preocupação absurda com a planta ornamental. Pronto, seu filho não receberia a samambaia! Enquanto mantinha esses pensamentos descabidos durante a situação que ora se apresentava, o agente abriu num único rompante a tampa da mala de mão.

Imagine aquele sobressalto causado por caixinhas-surpresa em que há cobras de tecido que são propulsadas contra o rosto da “vítima”. Pois então, essa foi a melhor descrição da reação do federal. Ao levantar a tampa da bagagem, a glande bem dotada e prateada do chocolate fálico, em riste e viril, apontava despudoradamente para o rosto do indivíduo. Hesitante, o rapaz por uns instantes não sabia se deveria segurar aquele membro reluzente e examiná-lo melhor ou se tomaria alguma outra atitude. Virou-se para seu companheiro e, procurando manter distância daquela coisa e um ar de repugnância, assegurou se tratar de um brinquedinho de viúva. “Pode ir, senhora. Boa viagem. O próximo.”

Dona Adelaide deu um sorriso amarelo e, constrangida, recolheu sua maleta. Passado o sufoco, respirou aliviada: ela e a samambaia se livraram por muito pouco dessa saia justa... justíssima!