UMA HORA DE VIAGEM
Bruno Pessa
 
 
Carregado de pertences, subiu no ônibus quinze minutos antes do embarque, a fim de evitar transtornos. Colado à janela, observava os demais colegas de viagem, os carros que iam e vinham e as matulas de destaque à espera do carregamento. A torcida era sempre a mesma: que crianças inquietas, duplas tagarelas e homens precisando de um bom banho não sentassem ao seu redor – do seu lado, menos ainda.

Também lhe chamavam a atenção as garotas de sua idade, como é natural aos rapazes à procura de novas aventuras. Claro que a aparência contava, uma vez que o jovem não ia além de olhadelas disfarçadas, raramente correspondidas. No entanto, a morena de longos cabelos descobriu a “espionagem” assim que surgiu no corredor, obrigando-o a procurar refúgio na janela salvadora Embaraçou-se mais ainda quando ela persistiu na disputa, criando uma situação inédita com sua aproximação. Desviou o rosto novamente, mas ela já havia parado ao seu lado.

- A minha é a 30. Posso sentar?

Depois dessa, não sabia se suspirava aliviado ou se enchia de vergonha pela hesitação demonstrada. O fato era que dividir lugar com a atraente moça de certo modo o perturbava. A oportunidade lhe caíra do céu, era certo, mas nem imaginava como proceder para usufruí-la. Para piorar, a menina parecia a fortaleza em pessoa. O jeito era não sofrer por antecipação.
Logo após sentar-se e ganhar fôlego, ela tratou de arrumar as sacolas no bagageiro superior, despertando-lhe disfarçados olhares para seus gestos.

- Agora vamos ajeitar isso aqui – sussurrou, como se soubesse que estava sendo observada.

É óbvio que o rapaz voltou-se para ela, e nesse tempo gastou perceptíveis décimos de segundo reparando no umbigo à mostra da moça. O engraçado – para não dizer trágico – foi que o ato falho deixou a companheira de viagem totalmente à vontade. Não dava pra saber se rolou uma atração ou se ela o sentiu em suas mãos. Ele só não podia continuar calado no próximo comentário dela. Procurar algo inteligente a dizer nunca foi tão árduo: a única idéia presente em sua mente era “puxa, como está quente”...

- Nossa, que calor! – foi exatamente o que ela falou.

- Daqui a pouco o ar condicionado começa a circular – respondeu, feliz por não ter deixado a peteca cair.

- Tomara, né?

- É...

Agora, ele esperava que ela mantivesse a iniciativa, disposto a pagar para ver as conseqüências. Mas ela continuava surpreendente. Ajeitou os fones nos ouvidos, reclinou a poltrona e cerrou marotamente seu par de olhos castanhos. Ele se sentiu falando sozinho, embora nem tivesse aberto a boca... O jeito foi virar para a janela e buscar distração na estrada, embora a noite dificultasse qualquer tentativa de apreciar a paisagem.

Não foi preciso mais do que alguns minutos para ele também ser vencido pelo sono. Na verdade, um pequeno cochilo até as luzes do primeiro posto de pedágio. Ao despertar, surpreendeu-se com a própria sesta. Bastou inclinar a cabeça para vir a lamentação pelo que estava “perdendo”: mesmo deitada em oposição a ele, a moça exibia um belo corpo. Por instantes intermináveis, ele parecia fiscalizar cada trecho daquelas curvas, dos cabelos rebeldes às pernas flexionadas. Vigiá-la enquanto descansava havia se transformado num prazeroso passatempo, como se o guarda-costas fizesse questão de zelar pela integridade da princesa. Seus olhos subiam e desciam tais contornos por diversas vezes, acompanhando o pensamento sempre mais avançado, no qual suas mãos transitavam por aquela pele livremente.

Tudo caminhava bem até a desconcertante mudança de posição da admirada. Com receio de ser descoberto, ele tornou a se voltar para a estrada, mas não resistiu por muito tempo, envolvido pelo “relacionamento”. Felizmente, ela permanecia adormecida. Mais ainda – seu rosto podia ser contemplado totalmente, a poucos centímetros dos olhos amolecidos do admirador. Não havia como fugir à tentação de dar asas à fantasia. Entre tanto encantamento, surgiu a ele a idéia mais ousada: aproximar-se mais ainda daqueles lábios, fingindo uma soneca inocente. Se ela tivesse semelhantes reações, talvez algo concreto enfim se efetivasse.

Qualquer terceira pessoa os julgaria um casal, dada a aparente naturalidade da terna cena. Mas a verdade era que ele suava por dentro, travando um esforço sem igual para simular o possível clímax daquele jogo de cenas. Eternos minutos ficaram para trás, até que finalmente tudo ficou claro e ruídos vieram de todos os lados. O ônibus parou. O que era doce acordou, levantou e se foi sem nada dizer.