ENQUETE
LITERÁRIA
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Ubirajara
Varela
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Estou
tentando descobrir a qualificação para o cidadão
que quase me atropelou hoje. Conheço uma centena de palavras,
impropérios de toda ordem, que me serviriam bem para classificá-lo.
Mas acho que xingá-lo seria muito deselegante, o que não
combina com a minha personalidade. Não sou adepto das agressões
verbais. Nem tampouco das físicas. Prefiro elaborar uma repreensão
intelectual, inteligente, que valha comentários, talvez até
gerando algum tipo de polêmica. Vou tentar contar o caso, para
que você me ajude a melhor defini-lo, até porque o fato
não é muito incomum nas metrópoles.
Você imagina que eu vinha andando pela avenida do Contorno, uma das mais famosas da capital mineira, tráfego intenso, muitos transeuntes e automóveis de todos os portes, quando o sujeito, dirigindo um veículo pré-histórico, subiu no passeio sem aviso prévio, sem seta, sem nem ao menos um psiu e quase me atropelou. Foi por pouco, pouquinho, pouquíssimo. Tirou poeira da minha roupa. E eu nem estava desatento, pois, se o estivesse, neste exato momento me encontraria internado no hospital de pronto-socorro. O motorista de araque se meteu pela calçada igual um animal enraivecido. (Desculpem-me os animais enraivecidos! Não quis ofender ninguém. É por isso a minha dificuldade em escolher as palavras certas). Se não fosse um golpe de vista, um jogo de cintura, uma ginga tão ágil, imprevista e precisa, que desbancaria os mais célebres capoeiristas de todos, agora não poderia lhe relatar este incidente. Meus gestos e movimentos ganharam uma velocidade descomunal. Só pode ser a intervenção divina. Única explicação. Um homem sem ajuda do cosmos não faz o que eu fiz naquele átimo em que mirei a morte. Depois de alguns instantes, quando pude me dar conta do que aconteceu, percebi que o idiota já estava saindo de fininho, fugindo com um sorriso debochado estampado em sua face que eu pude ver pelo reflexo do retrovisor. Detalhe: pensei em anotar a placa do carro, claro, mas o veículo não tinha. Resumindo: era um pulha sem precedentes, um meliante, um elemento que deveria ser detido e enquadrado, como manda o jargão policial. É por este motivo que eu convoco a sua participação nesta pseudo-enquete literária: qual deveria ser o adjetivo para este ser moderno, que ao sentar atrás de um volante se transforma em algo que não ouso classificar, a fim de evitar desmerecer qualquer entidade existente neste universo? Deixo a pergunta em aberto para que você possa encerrar este texto. |
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