PROCRIAÇÃO
Marcelo Paradyse
 
 

Na madrugada, insaciável, mais uma vez inicia a caçada. Lentamente seu instinto percorre os limites ainda restritos, rumo ao objetivo mais sublime.

Sua garra corta a noite fria, cercada da mais tórrida escuridão, com todos os seus sentidos postos na incansável procura de sinais de sua presa.

A total escuridão dá lugar a uma fraca, porém agradável luminosidade, que se logo se encarrega de apontar para o caminho da conquista.

De longe, agora, já pode senti-la, e a emoção de tão nobre encontro acelera sua investida. Sua presença cada vez mais próxima traz o alívio da busca concluída.

Agora pode vê-la. Claramente. Lá está ela, ao mesmo tempo simples e imponente, a dama de seus desejos, rainha de sua razão. A Inspiração.

A tímida aproximação, numa mistura de medo e desejo, espanto e intimidade, os remetem ao primeiro encontro. Nem de longe se considera o verdadeiro sentido de todo o esforço com o objetivo único de procriar. Cria pro mundo.

Cada cria é de natureza única, nada mais que um reflexo natural do âmago de um ser, perpetuando assim, sua existência.

Ambos se fundem em um só corpo, eliminando de seu redor toda a noção de tempo e espaço, numa crescente e acalorada relação de forte troca, doação, loucura, desejo, torpor, paixão... Que explode num êxtase intenso, como a queda repentina de um abismo do nada ao tudo.

E só agora repousa, tranqüilo, a contemplar seu mais novo rebento.