NA SELVA
Jorge Eduardo Machado
 
 

Afocinhou a lata de lixo com a sofreguidão de três dias sem pôr grão no estômago. Encontrou restos de um jantar abastado: lasanha endurecida e azeitonas exauridas. Devorou o grude quase sem triturá-lo entre os dentes podres. Em seguida, lambeu as feridas da manhã, quando ralara a pata direita num muro chapiscado. Doía muito. Tudo.

A quem possa estranhar que um braço de homo sapiens se chame pata, deve-se dizer que para ele (o homem), tanto faz, como tanto fez. O asfalto da metrópole é testemunha de que seu ranço de humanidade se perdeu bem antes disso, ao adentrar o imponderável terreno da invisibilidade.