ACENTO
Zeca São Bernardo
 
 

Quanto tempo faz? Já não sei...mentira, tenho em conta certa cada minuto, cada hora e cada dia desses últimos dez anos! Lembranças e promessas tantas, sonhos quais flores de ipê na certeza certa da florada incerta do outono ou do inverno. Sorrisos e lágrimas, angustias e mágoas afogadas no travesseiro, velho amigo e confidente. Substituto certo do copo cheio de conhaque ou de outro destilado qualquer.

O amor, ah, o amor! Esse tal de amor que fluidifica e limpa o ódio da alma desabrochando sorrisos por onde quer que passa. Que coisa incrível é esse tal de amor...pensei tê-lo perdido na rua ou esquecido de trazê- lo junto com as compras de mercado na última sexta - feira. Mas não, não, foi só você que apressada esqueceu de escrever "eu te amo" no final da lista de compras presa com aquele imã vagabundo que joguei fora hoje mesmo. Tenho que tomar coragem e lembrar-lhe, também, disto? Que junto com os queijos, três linhas abaixo do salame, do vinho e das azeitonas cabe ou fica bem- nunca sei- um eu te amo? Ou logo acima dos melões, da uva ou da melancia dos muitos verões poderias ter deixado outra impressão de teus lábios. O que deixaria as tardes de tantos verões mais quentes e transformaria as noites em regaços da paixão que ainda mora em mim.

Melhor não, melhor assim. Mesmo apaixonado não sei se toleraria outro verbo conjugado errado. Outra palavra mutilada na sua ortografia ou outro acento esquecido além do que faz par com o vaso sanitário. Ás palavras são assim, desse jeito mesmo. Dão- se ao uso e prestam-se ao nosso uso! Nós que muitas e muitas vezes nos esquecemos de dize- las. Deixando os corações esvaziarem-se e tornaram-se tão sozinhos, vagos e imprecisos quanto esses olhos cansados que procuram lembrar de algo que sempre falta na lista de compras presa na porta da geladeira...