DESIGUALDADES SOCIAIS
Sonia Regina Rocha Rodrigues

Eu andava trinta ou quarenta quadras a pé, diariamente, poupando os passes de ônibus para as ocasiões de chuva ou para os trajetos mais longos. Cortava os bifes bem pequenininhos para a carne render. Tomava banho ao meio-dia porque neste horário a água descia morna da caixa d'água e eu podia desligar o chuveiro. Assistia TV de luzes apagadas. Só consumia legumes e frutas da estação para aproveitar o preço mais barato. Não comprava roupa nova nem em liquidação.

A cada semana, porém, antes de sair às compras, contava cuidadosamente cada centavo do dinheiro destinado à faxineira, único luxo que eu me permitia.

Luxo, digo eu? Uma necessidade vital. Indispensável. E, afinal, o dinheiro dessas pessoas desfavorecidas pela sorte, sobrevivendo heroicamente com um mínimo, sem melhores expectativas na vida, é sagrado.

Com três empregos fixos e aceitando todo e qualquer extra que aparecesse, eu não tivera tempo ainda de avaliar a exata dimensão de meu desastre econômico. Trabalhava duro para sair do buraco financeiro em que despencara e não tinha tempo a perder com detalhes irrelevantes.

Não parara para avaliar minha real situação de privações e penúria.

Até a tarde em que encontrei sobre a mesa da cozinha o dinheiro intocado - e um bilhete ao lado:

"Dona,
a senhora não arrepare deu não levar o dinheiro. Sei que a senhora tá precisando dele mais do que eu. Pague quando puder.
Maria."
 
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