GARATUJAS BIOGRÁFICAS
Leila de Barros
 
 

Naquela manhã, eu acordei de um sonho abrangente.

Desses que nos envolvem como uma calda de avelã e chocolate.

Em vez do cheiro do café da manhã, senti o aroma da saudade...

Saudade de gente que nem conheci ainda, de um rosto desconhecido com inesquecíveis olhos azuis e saudade do que vou deixando para trás.

Acordei desnuda de tantas sensações coloridas e tão vestida em minha solidão lilás.

Busquei de relance, uma poesia para declamar, em vez de calçar meus chinelos.

Saí deixando bilhetes pela casa, escondendo alguns em livros e pendurando outros em varais de nylon, como móbiles decorativos.

No espelho um batom verde e ecologicamente correto, com um recado bem nítido:

- Cuidado, signo de Peixes!

A noite tem deixado seus mistérios assim escritos em meus recantos prediletos, como se fossem as frutas do desjejum.

Abri todas as gavetas e fui descobrindo novos sabores, novas cores e tons musicais.

Clareei a parede pichada - seus dizeres só a mim pertencem.

Guardei todos os meus livros em caixas, esvaziei os armários, alimentei a memória de estórias coloridas.

Olhei para todos os cômodos da casa, minhas memórias estavam um pouco lá espalhadas pelas paredes e pelos objetos que contavam suas próprias biografias.

Tudo parecia falar.

A visão da casa vazia me trouxe calma e uma sensação de ter dado a pincelada final no quadro.

Finalizei essa obra. Outras esculturas e aquarelas estarão sempre à mão. Posso moldá-las de acordo com meu ilimitado prazer.

Alcancei imediatamente meu chapéu branco de praia, como alguém que precisa de um amuleto da sorte. Precisava mesmo de alguns acessórios claros.

Fui em busca da areia branca que tudo cura, tudo ameniza.

Respirei a longos haustos e senti que recomeçava a partir de um ponto existente, mas restaurada, como um livro raro, repleto de gravuras e textos estimados.

E sei que dentro de meus livros, sempre encontrarei alguns bilhetes que me farão sentir familiarizada com alguma estória sobre mim mesma.