PURO INSTINTO
João Rodrigues
 
 

Acordo meio amargo. O gosto de cerveja ainda está em minha boca. Meu hálito horroroso exala em meu banheiro. Escovo os dentes e minha cabeça ainda dói. A noite anterior não foi uma das melhores, foi uma daquelas dignas de esquecimento, de deletar... não, de excluir mesmo, sem ao menos passar pela lixeira. Meus olhos vermelhos de sono, de ressaca, denunciam uma noite mal dormida; e o brilho de meus olhos (que brilhos?) delatam a quem quiser saber que estou infeliz, péssimo - nem mesmo eu me reconheço nesse momento.

Ainda bem que é domingo, não é preciso sair de casa. Penso em passar o dia todo enclausurado, trancafiado em meu apartamento, sem nem mesmo olhar para fora. Preciso fechar as janelas e apagar as luzes, esquecer do mundo... esquecer dela.

Meu estômago dói - essa úlcera desgraçada, que me destrói, assim como ela me corrói agora! - não sei se tomo um remédio ou se como alguma coisa. Nenhum dos dois. Esquento uns salgadinhos, pego uma latinha de cerveja na geladeira e ligo a TV. Enquanto assisto a um filme, como e bebo. Ou acabo a dor de estômago ou me acabo de vez.

Ela não me sai da cabeça. Provavelmente a perdi de uma vez por todas. Aumento o volume da TV, não adianta, ela insiste em ficar. Não me entrego. Vou ao chuveiro e tomo um banho gelado, volto e tomo mais uma cerveja. Tento reagir. Sei muito bem que à felicidade não se pode mandar recado, nem bilhete, tem-se que ir de encontro a ela. Mesmo que não a tenhamos por completa, temos pelo menos que tê-la parcialmente.
Pego o telefone.

- A Vanessinha, por favor.

- Pois não, senhor. Qual o seu endereço?

- O mesmo. Ela sabe.

-Tudo bem. Ela estará aí em 20 minutos.

- Obrigado.

E nesse ínterim me sinto enojado, um animal; sei que ela ficará para trás nas curvas de outro corpo, temporariamente esquecida, enquanto me rendo aos devaneios da luxúria.