O
PURGATÓRIO
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Eduardo
Prearo
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Ele tomou um ônibus para algum lugar ignoto porque queria era desaparecer completamente. Não era a paixão eterna de ninguém mesmo! Porém, ele desceu logo porque estava apreensivo. A acatisia, sempre negada pelos psiquiatras, teimava e teimava desde a última pílula deglutida a três dias atrás. Tentou descobrir se havia relação entre a acatisia e a claustrofobia. Talvez houvesse, pois ambas as duas estimulavam o movimento, assim como o desespero; era o inferno de Dante. Voltou para casa, havia cartas colocadas por debaixo da porta, havia também um bilhete meio sujo junto com elas. "Não deixe de ler, Pássaro", anunciava o bilhete. Abriu-o, então, incontinenti e leu o seguinte: "Rejeita o aplauso, ó crente; o aplauso conduz a ilusão de si-próprio (Blavatsky). Pássaro, sei que você quis ser um artista, desses famosos, mas não teve vitalidade, sorte ou talento para tanto. Agora é tarde, meu amigo. Esteja hoje a uma hora da manhã no cemitério das Nações, rua u, sepulcro 89. Há uma surpresa." Pássaro pensou em tudo de negativo que teria de ouvir para o resto de sua vida, nas culpas futuras impingidas por pessoas com toda a razão do mundo, pessoas boas. Bom, resolveu ir até o tal cemitério. Vai ver era uma brincadeira importante ou de mau-gosto. Quando chegou à rua u, sepulcro 89, teve uma vertigem. Notou que ele mesmo estava enterrado ali. Marcos Pássaro, * 1966 - 2005, e "Até que fui feliz apesar da população desconhecida", dizia o epitáfio. Então estou morto, eu, um desconhecido também, estou morto e no purgatório, pensou MP. Que susto! Estava achando que a vida é que era um inferno. Foi pra casa contente; toda aquela solidão, a fome, a miséria, as perseguições, o desprezo, etc, agora tinham explicação. Eram parte do purgatório! |
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