CORAGEM
Daisy Melo
 
 

Bem que eu queria ser uma mosquinha bem pequena e me equilibrar na borda do copo de geléia, só gozando a sua cara quando lesse o bilhete deixado em cima da mesa, junto aos restos do café da manhã.

Seus olhos se arregalariam e você me procuraria por todos os cantos da sala e da cozinha. Notaria a comida de ontem azedando nas panelas em cima do fogão, a casa desarrumada, o chão sem vassoura e a geladeira, pela primeira vez, vazia da sua cerveja gelada. E eu lá, rindo, só uma mosquinha.

Mas nem assim você acreditaria, não é, Agenor?

Leria novamente o bilhete, outra vez e outra vez, o amassaria e o molharia com seu suor trêmulo, perceberia o ponto que a minha letra redonda pingou no final da linha e ainda assim não acreditaria.

Ah, como eu queria ver seu rosto tenso de aflição e pasmo. Gozar da lágrima que arrebenta e mancha sua visão, misturando-se com dor e sangue e caindo na folha de papel lilás com bordas de florzinhas.

Ah, como eu gostaria disso.

Você vasculharia minhas gavetas vazias, desarrumaria os lençóis e as toalhas, encontraria suas cuecas, todas elas sem água e sabão, ligaria urgente para as minhas amigas, inquiriria o cachorro e as vizinhas e, mesmo com todas as evidências, não acreditaria.

Pois acredite Agenor: eu não te amo mais.

É difícil me ver deslizar e escorregar feliz por entre seus dedos, me soltar das suas amarras, do seu ciúme, do seu pouco afago. É impossível se despregar do meu perfume que tatua o seu cheiro e a sua pele, não é mesmo?

Vou te contar uma coisa: sabe quantas vezes eu senti prazer com você?

Nenhuma, Agenor! NENHUMA. O quê? Você não acredita? Claro que não. Como pode? Você é o máximo, não é? O comedor, o garanhão, aquele que ganha todas. Mas é ruim de cama, Agenor, se toca.

Você perguntaria: - E os gemidos? Os "ais"? Os "oh, Céus"? Ora, eu finjo, responderia.

Sempre fingi mas agora acho que mereço o céu com todas as nuvens, chuvas e trovoadas. Mereço um furacão, um tufão.

Quero mais da vida, Agenor. Quero ser acarinhada enquanto tricoto sonhos e arco-íris e ser ouvida sem seu ronco pontuar minhas observações.

E mereço amar...ah, como mereço! Pois não te amo mais.

Que bom seria ser, ao menos uma vez, livre, minha.

Sentir o vento despentear meu cabelo, inspirar cheiro de mar, afundar os pés nus na areia da praia. E rir! Gargalhar, Agenor. Gargalhar!

Ser feliz, tão feliz que nem eu mesmo acreditaria.

Ah, eu queria ser uma mosquinha e gozar da sua cara...

Mas, acredite Agenor: Eu não tenho coragem.